Com o ar denso e úmido, o sol cede lugar aos aguaceiros. Meu dezembro é dos fins de tarde tempestuosos, aos quais o calor do dia quase não cede. O frio está só nas representações exógenas de neve polar e de um velho embrulhado em roupa vermelha, quente como a visão intempestiva de uma lareira acesa. Minha infância vivia este mês com entusiasmo, um período de intensa ebulição. De súbito, toda gente se põe a correr pra todo lado, as ruas se enchem, ficam mais iluminadas e explode o consumo. Essa detonação aniquila qualquer pretensão de tranquilidade, a culminar com o som dos foguetórios da virada do calendário. É o colapso barulhento do ano envelhecido e a inauguração estrondosa de um novo, promissor, onde agitamos nossos corpos numa overdose festiva. Também um tempo que evoca esquecidas solidariedades, por um espírito que nos comove, como se o mês, na lembrança cristã, nos despertasse um enorme desejo de sermos um, em atenção e presença. Com tudo isso, nos traz, em paradoxo, a consciência de tudo o que é abundante e de tudo o que nos falta. Assim, ele se faz alegre e triste em simultâneo. Meu dezembro tem gosto de sorvete de limão.
5 de dezembro de 2025
21 de novembro de 2025
O sonho esculpido
Na solidão do meu ateliê, tenho diante de mim um bloco inerte de mármore. Como sempre faço, deixo primeiro que fale comigo. Fico a escutá-lo horas a fio, com paciência, e a admirar sua alva superfície, com veios de cinza que nela desenham com suavidade toda uma história da terra, as recordações pétreas das montanhas e, por que não dizer, das vagarosas mudanças geológicas através das muitas eras de formação. Uma bela rocha como esta, já tem valor por sua mera existência mineral e milenar, uma criatura ancestral que é obra-prima dos tempos. Foi arrancada do seio da terra. Já não é mais a própria pedra, mas matéria bruta deslocada, cortada e aparada, em busca de seu sentido. Agora fico ali, absorto e reverente, a buscar desvendar sua vontade e seu destino. Por vezes me demoro em compreender o que me mostra e o que me esconde, e em adivinhar o que nela está adormecido, mas espero o momento exato de revelação, que é aquele onde os desejos deste bloco, em sua singular beleza, se encontram com os meus. É a hora de uma mágica inspiração mútua, onde transcendemos nossa materialidade. No meu breve transe, esculpi pela imaginação neste mármore os meus sonhos. Estes ganham volume e beleza, em pensamentos leves que vão dando um delicado relevo e contornos de eternidade às nossas almas. Então, é hora de tomar do cinzel e trabalhar a forma libertadora. Conforme se despregam os fragmentos, vai-se liberando a alma aprisionada bem nas entranhas do mármore e uma imagem vai se figurando alegre entre os meus dedos. Este bloco agora está quieto. Deixa-se apenas mostrar, transfigurando-se, lentamente. Também eu me calo e, determinado, deixo-me fundir em experiência àquela imagem sonhada em comum. Assim, enlevado, entro em novo estado, no qual meu corpo se dilui no ato que executo. Neste novo transe, já não sei mais se estou a esculpir a pedra ou se ela é que está a me moldar. Nem me importo. Já estou sonhando nela! A obra, uma vez acabada, é um monumento de mim mesmo, memorial e onírico. Não é uma escultura estática, mas um mapa sem peso algum, capaz de dançar livre, solta no espaço. Para você, não é uma obra silenciosa, mas uma contadora de histórias, que diz de uma alma que se reconverte em matéria e de uma aventura íntima que conecta as mãos à mente, a mente à terra e a terra ao cosmos.
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Imagem: criada por IA generativa
2 de novembro de 2025
A hora e a vez de Constança
Hoje apresento a vocês a história de Constança. Uma mulher preta, escravizada, que afirma que não havia sido matriculada, conforme determinava a Lei de 1871 - que é a lei do Ventre Livre. E para ela o seu Senhor não havia feito tal matrícula. Nesse sentido, a petição inicial é muito simples, objetiva e direta. Ou seja, não há nenhum outro argumento. Somente isso, não foi matriculada pelo seu senhor e, portanto, teria o "direito" à liberdade.
Em todo caso o Juiz Municipal, aceita a petição e nomeia um Curador e um depositário. E o processo se inicia. Em seguida o Juiz Manoel Joaquim Cavalcanti de Albuquerque, solicita a verificação através do livro de matrícula do município. E ao fazer isso, vem a surpresa: Francisco Alves da Cunha, apontado como Réu no processo, isso porque Constança estava sob o domínio deste senhor., não era de fato senhor de Constança, pelo menos não era isso encontrado no livro de Matrícula de Escravos do Município. O Verdadeiro dono de Constança era outro. Veja a Certidão de Matrícula:
Diante das informações desta certidão, o Juiz não tinha muito o que fazer, a não ser suspender tanto o depósito, bem como a curatela de Constança, para depois encerrar o processo. Então expede o mandato para que os oficiais de justiça ir até a casa do depositário buscar a escrava e entregá-la ao seu verdadeiro dono. E isso acontece. O oficial de Justiça vai até o distrito de Mateus Leme, em casa do curador, buscar a escravizada Constança. E ela não se encontrava na casa do depositário, mas que estava em sua propriedade na Fazenda da Sesmaria, naquele distrito. Chegando à fazenda, o depositário rejeita a entrega de Constança, por ela já ser livre, pois já havia recebido "Carta de Liberdade", que ela, Constança, havia dado ao seu senhor, José Nunes da Costa, por esta liberdade.
Os oficiais de Justiça retornam ao Juiz e informa a situação. O Juiz não aceita aquela situação e envia novamente os oficiais, até à Fazenda Sesmaria para trazer a escravizada, e que apresente a carta de liberdade. Novamente o depositário recusa entregar Constança aos oficiais, alegando que não poderia entregar "pessoa livre" contra a vontade dela. Informa também aos oficiais que ele não tinha em seu poder a referida "Carta de Liberdade".
Diante desta informação, o Juiz faz intimação ao depositário e ao Curador para apresentar em audiência o documento que garantia a liberdade de Constança, sob as pena da Lei. E então, em 04 de agosto de 1887, em audiência pública, a Carta de Liberdade de Constança é apresentada ao juiz. Que após verificada a veracidade da mesma, declara Constança como mulher livre. Mas, por que a relutância em apresentar esta carta por parte do depositário? Por que ele resistiu tanto entregar esta carta ou apresentá-la ao juiz? E a resposta está na própria carta. A carta de liberdade foi passada em 21 de julho de 1882, 5 anos antes de Constância entrar na justiça. Ou seja, esta demora do depositário em entregar a carta e até mesmo devolver Constância ao seu dono estava no fato de que ele tinha intenções em continuar explorando o trabalho de Constança. Ele já era livre, mas estava em sua fazenda, prestando algum tipo de serviço. E foi por isso também que o Réu no Processo, Francisco Alves da Cunha, também não podia matriculá-la, pois se poderia descobrir que ela já era livre. Era conveniente para os senhores tentar encobrir esta situação.
Dá para imaginar que muitos escravizados, mesmo já com a carta de alforria, não tinha garantias de sua liberdade, sendo preciso recorrer à justiça para conseguir, de fato, ser livre, e muitos escravizados não saberia como fazer isso. Constança torna-se assim um exemplo de como a informação pode ser útil na garantia de seus direitos.
História como esta encontram-se a espera de pesquisadores e leitores no Acervo do Museu de Pará de Minas - MUSPAM.
Veja abaixo o Podcast sobre este processo:
1 de novembro de 2025
Ensaio geral
No meu novembro, é possível adivinhar a fúria do verão, com cheiro de mangas e jabuticabas. Começa com o ritual da memória e do respeito aos que se foram. Este ato não se encerra nas lápides frias, mas também alcança as permanências. Assim começamos, nutridos pelas nossas melhores e mais calorosas lembranças, e sentimos que é a hora de renovarmos os pactos de nossa existência, sempre tão frágil, e de nos abrirmos para o que ainda haverá de vir. É uma espécie de aliança entre passado e futuro, que se molda tanto nas saudades quanto nas esperanças. Portanto, este é o meu mês do devir. Logo virão as festas, o novo ano, a nova estação. Já encontro nele o fluxo mais intenso e as potencialidades do que seremos no ano que se prepara. Só um ensaio. É este o momento que trago à consciência os fins e os fechamentos dos meses sobre si mesmos e as urgências de fazer o que até então foi procrastinado - sempre mais do que gostaria. Na minha infância, a simples expectativa do término das atividades letivas já me enchia de entusiasmo. Novembro foi sempre esse logo-ali, um quase-lá, onde tudo de bom está tão perto, mais fácil de alcançar, o que serve para nos aplacar a nostalgia, curar nossa ansiedade e nos encher de novas promessas. Vamos deixando de ser, para nos prepararmos para ser mais.
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Imagem: gerada por ferramenta de IA
21 de outubro de 2025
ALPM lança Bianuário 2024-2025
A Academia de Letras de Pará de Minas (ALPM) realiza, no dia 31 de outubro de 2025 (sexta-feira), às 19 horas, o lançamento do Bianuário 2024–2025. O evento será realizado no Auditório I da Faculdade Católica de Pará de Minas (Fapam), voltado a estudantes da instituição, mas aberto ao público em geral. A programação inclui um bate-papo com acadêmicos e a distribuição gratuita de exemplares.
O Bianuário é uma publicação tradicional da ALPM, editada desde 1998, reunindo produções literárias dos acadêmicos e acadêmicas. Em 2025, a instituição completa 28 anos de fundação, somando quase três décadas de promoção da literatura, da arte e da cultura em Pará de Minas. Desde os primeiros anos, cada edição do Bianuário reflete a diversidade criativa e a riqueza de perspectivas dos escritores que integram a Academia, reafirmando seu compromisso com o fomento à leitura, à escrita e ao acesso à cultura.
A nova edição tem um significado especial: é a primeira publicação após a instalação da Academia em sua sede própria, no Centro Literário Pedro Nestor, no segundo andar do histórico prédio cedido pelo município. Para celebrar esse marco, a capa traz uma aquarela do artista plástico Nelson Polzin, retratando a fachada do bem tombado que abriga a ALPM. Inspirado por fotografias antigas e pela atmosfera do lugar, Polzin recriou o edifício em traços que unem precisão arquitetônica e sensibilidade artística. O artista é natural do Rio de Janeiro e tem destacada atuação no cenário artístico nacional.
Mantendo sua tradição, a Academia de Letras de Pará de Minas oferece gratuitamente o Bianuário aos leitores, reforçando sua missão de difundir a palavra escrita como forma de resistência, memória e esperança.
2 de outubro de 2025
Abandono e contemplação
Não fosse pelo aniversário do meu pai e por Francisco e Aparecida, meu outubro seria um mês esquecido e esmagado entre a intensidade do seu predecessor e as urgências e burburinhos dos últimos dois meses do ano. Parece um viajante sem destino e sem agenda, que vive na penumbra do calendário. Ele se arrasta, abandonado nos entremeios da vida, nos interstícios dos meus cronogramas. Resignado, de oitavo virou décimo e resiste, na plena aceitação de seu destino e com lição de humildade franciscana. Neste espaço transitório é que ele caminha sem ser quase notado. Guarda assim a sua beleza discreta e faz seu caminho sem alaridos e sem companhia. Meu outubro é reflexivo, um convite aos pensamentos profundos e ao autoconhecimento. Um momento de abandono ao meu ermitério íntimo. O céu, carregado com a chuva que vem ao longe, é contemplativo e memorioso, que dá ao fim da tarde uma vontade de café com pão. Essa chuva que cai é texto, que dialoga com a alma, e um rito de limpeza espiritual. Meu outubro derrama água, fresca e sonora, e possibilidades infinitas. É hora das expectativas.
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Imagem: gerada por ferramenta de IA
24 de setembro de 2025
Evento em Pará de Minas aborda a saúde dos fibromiálgicos, com participação de escritora da ALPM
O Movimento Mulheres de Fibro de Pará de Minas, com a Associação Nacional de Fibromiálgicos, promove o evento especial "A saúde dos fibromiálgicos - A vida na centralidade do discurso". A programação conta com palestras que abordarão os desafios de amenizar as dores do corpo e da alma, com a participação de Victor Guilherme Lage Ferreira, mestrando em Economia Criativa e da psicóloga e psicanalista Jaqueline de Cássia Sousa Moreira.
Na segunda parte do evento, o foco será a legislação e as políticas públicas, com a palestra "Pará de Minas à frente da Legislação Federal", ministrada pela subprocuradora jurídica da Câmara Municipal, Sheila Bastos e por Mariana Viegas, enfermeira coordenadora da APS. O objetivo é destacar os avanços legislativos locais no cuidado com os fibromiálgicos. O evento conta com realização e apoio institucional da Procuradoria da Mulher e das secretarias municipais de Saúde e Assistência Social, reforçando o compromisso com a causa.
O encontro também terá um momento cultural com o lançamento do hino do movimento, composto por Conceição Cruz, escritora e compositora, membro da Academia de Letras de Pará de Minas (cadeira nº 4) e apresentações de voz e violão.
O evento será no próximo dia 25/09, às 15h, na Câmara Municipal de Pará de Minas. As inscrições gratuitas devem ser feitas no link: https://forms.gle/ZMFHEZYH9ZVkRj9b8.
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Assista ao evento e à apresentação do Hino no vídeo abaixo:
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Veja a sequência da música ilustrada:

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