2 de novembro de 2025

A hora e a vez de Constança

Geraldo Phonteboa
Cadeira n.º 14

Hoje apresento a vocês a história de Constança. Uma mulher preta, escravizada, que afirma que não havia sido matriculada, conforme determinava a Lei de 1871 - que é a lei do Ventre Livre. E para ela o seu Senhor não havia feito tal matrícula. Nesse sentido, a petição inicial é muito simples, objetiva e direta. Ou seja, não há nenhum outro argumento. Somente isso, não foi matriculada pelo seu senhor e, portanto, teria o "direito" à liberdade.

Em todo caso o Juiz Municipal, aceita a petição e nomeia um Curador e um depositário. E o processo se inicia. Em seguida o Juiz Manoel Joaquim Cavalcanti de Albuquerque, solicita a verificação através do livro de matrícula do município. E ao fazer isso, vem a surpresa: Francisco Alves da Cunha, apontado como Réu no processo, isso porque Constança estava sob o domínio deste senhor., não era de fato senhor de Constança, pelo menos não era isso encontrado no livro de Matrícula de Escravos do Município. O Verdadeiro dono de Constança era outro. Veja a Certidão de Matrícula:

Diante das informações desta certidão, o Juiz não tinha muito o que fazer, a não ser suspender tanto o depósito, bem como a curatela de Constança, para depois encerrar o processo. Então expede o mandato para que os oficiais de justiça ir até a casa do depositário buscar a escrava e entregá-la ao seu verdadeiro dono. E isso acontece. O oficial de Justiça vai até o distrito de Mateus Leme, em casa do curador, buscar a escravizada Constança. E ela não se encontrava na casa do depositário, mas que estava em sua propriedade na Fazenda da Sesmaria, naquele distrito. Chegando à fazenda, o depositário rejeita a entrega de Constança, por ela já ser livre, pois já havia recebido "Carta de Liberdade", que ela, Constança, havia dado ao seu senhor, José Nunes da Costa, por esta liberdade.

Os oficiais de Justiça retornam ao Juiz e informa a situação. O Juiz não aceita aquela situação e envia novamente os oficiais, até à Fazenda Sesmaria para trazer a escravizada, e que apresente a carta de liberdade. Novamente o depositário recusa entregar Constança aos oficiais, alegando que não poderia entregar "pessoa livre" contra a vontade dela.  Informa também aos oficiais que ele não tinha em seu poder a referida "Carta de Liberdade". 

Diante desta informação, o Juiz faz intimação ao depositário e ao Curador para apresentar em audiência o documento que garantia a liberdade de Constança, sob as pena da Lei. E então, em 04 de agosto de 1887, em audiência pública, a Carta de Liberdade de Constança é apresentada ao juiz. Que após verificada a veracidade da mesma, declara Constança como mulher livre. Mas, por que a relutância em apresentar esta carta por parte do depositário? Por que ele resistiu tanto entregar esta carta ou apresentá-la ao juiz? E a resposta está na própria carta. A carta de liberdade foi passada em 21 de julho de 1882, 5 anos antes de Constância entrar na justiça. Ou seja, esta demora do depositário em entregar a carta e até mesmo devolver Constância ao seu dono estava no fato de que ele tinha intenções em continuar explorando o trabalho de Constança. Ele já era livre, mas estava em sua fazenda, prestando algum tipo de serviço. E foi por isso também que o Réu no Processo, Francisco Alves da Cunha, também não podia matriculá-la, pois se poderia descobrir que ela já era livre. Era conveniente para os senhores tentar encobrir esta situação. 

Dá para imaginar que muitos escravizados, mesmo já com a carta de alforria, não tinha garantias de sua liberdade, sendo preciso recorrer à justiça para conseguir, de fato, ser livre, e muitos escravizados não saberia como fazer isso. Constança torna-se assim um exemplo de como a informação pode ser útil na garantia de seus direitos. 

História como esta encontram-se a espera de pesquisadores e leitores no Acervo do Museu de Pará de Minas - MUSPAM. 

Veja abaixo o Podcast sobre este processo:

 

 

1 de novembro de 2025

Ensaio geral

Márcio Simeone
Cadeira n.º 8
 
 

 

No meu novembro, é possível adivinhar a fúria do verão, com cheiro de mangas e jabuticabas. Começa com o ritual da memória e do respeito aos que se foram. Este ato não se encerra nas lápides frias, mas também alcança as permanências. Assim começamos, nutridos pelas nossas melhores e mais calorosas lembranças, e sentimos que é a hora de renovarmos os pactos de nossa existência, sempre tão frágil, e de nos abrirmos para o que ainda haverá de vir. É uma espécie de aliança entre passado e futuro, que se molda tanto nas saudades quanto nas esperanças. Portanto, este é o meu mês do devir. Logo virão as festas, o novo ano, a nova estação. Já encontro nele o fluxo mais intenso e as potencialidades do que seremos no ano que se prepara. Só um ensaio. É este o momento que trago à consciência os fins e os fechamentos dos meses sobre si mesmos e as urgências de fazer o que até então foi procrastinado - sempre mais do que gostaria. Na minha infância, a simples expectativa do término das atividades letivas já me enchia de entusiasmo. Novembro foi sempre esse logo-ali, um quase-lá, onde tudo de bom está tão perto, mais fácil de alcançar, o que serve para nos aplacar a nostalgia, curar nossa ansiedade e nos encher de novas promessas. Vamos deixando de ser, para nos prepararmos para ser mais.

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Imagem: gerada por ferramenta de IA


21 de outubro de 2025

ALPM lança Bianuário 2024-2025


 A Academia de Letras de Pará de Minas (ALPM) realiza, no dia 31 de outubro de 2025 (sexta-feira), às 19 horas, o lançamento do Bianuário 2024–2025. O evento será realizado no Auditório I da Faculdade Católica de Pará de Minas (Fapam), voltado a estudantes da instituição, mas aberto ao público em geral. A programação inclui um bate-papo com acadêmicos e a distribuição gratuita de exemplares.

O Bianuário é uma publicação tradicional da ALPM, editada desde 1998, reunindo produções literárias dos acadêmicos e acadêmicas. Em 2025, a instituição completa 28 anos de fundação, somando quase três décadas de promoção da literatura, da arte e da cultura em Pará de Minas. Desde os primeiros anos, cada edição do Bianuário reflete a diversidade criativa e a riqueza de perspectivas dos escritores que integram a Academia, reafirmando seu compromisso com o fomento à leitura, à escrita e ao acesso à cultura.

A nova edição tem um significado especial: é a primeira publicação após a instalação da Academia em sua sede própria, no Centro Literário Pedro Nestor, no segundo andar do histórico prédio cedido pelo município. Para celebrar esse marco, a capa traz uma aquarela do artista plástico Nelson Polzin, retratando a fachada do bem tombado que abriga a ALPM. Inspirado por fotografias antigas e pela atmosfera do lugar, Polzin recriou o edifício em traços que unem precisão arquitetônica e sensibilidade artística. O artista é natural do Rio de Janeiro e tem destacada atuação no cenário artístico nacional.

Mantendo sua tradição, a Academia de Letras de Pará de Minas oferece gratuitamente o Bianuário aos leitores, reforçando sua missão de difundir a palavra escrita como forma de resistência, memória e esperança.

 

2 de outubro de 2025

Abandono e contemplação

Márcio Simeone
Cadeira n.º 8
 
 

Não fosse pelo aniversário do meu pai e por Francisco e Aparecida, meu outubro seria um mês esquecido e esmagado entre a intensidade do seu predecessor e as urgências e burburinhos dos últimos dois meses do ano. Parece um viajante sem destino e sem agenda, que vive na penumbra do calendário. Ele se arrasta, abandonado nos entremeios da vida, nos interstícios dos meus cronogramas. Resignado, de oitavo virou décimo e resiste, na plena aceitação de seu destino e com lição de humildade franciscana. Neste espaço transitório é que ele caminha sem ser quase notado. Guarda assim a sua beleza discreta e faz seu caminho sem alaridos e sem companhia. Meu outubro é reflexivo, um convite aos pensamentos profundos e ao autoconhecimento. Um momento de abandono ao meu ermitério íntimo. O céu, carregado com a chuva que vem ao longe, é contemplativo e memorioso, que dá ao fim da tarde uma vontade de café com pão. Essa chuva que cai é texto, que dialoga com a alma, e um rito de limpeza espiritual.  Meu outubro derrama água, fresca e sonora, e possibilidades infinitas. É hora das expectativas.

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Imagem: gerada por ferramenta de IA

 

24 de setembro de 2025

Evento em Pará de Minas aborda a saúde dos fibromiálgicos, com participação de escritora da ALPM

 


O Movimento Mulheres de Fibro de Pará de Minas, com a Associação Nacional de Fibromiálgicos, promove o evento especial "A saúde dos fibromiálgicos - A vida na centralidade do discurso". A programação conta com palestras que abordarão os desafios de amenizar as dores do corpo e da alma, com a participação de Victor Guilherme Lage Ferreira, mestrando em Economia Criativa e da psicóloga e psicanalista Jaqueline de Cássia Sousa Moreira.

Na segunda parte do evento, o foco será a legislação e as políticas públicas, com a palestra "Pará de Minas à frente da Legislação Federal", ministrada pela subprocuradora jurídica da Câmara Municipal, Sheila Bastos e por Mariana Viegas, enfermeira coordenadora da APS. O objetivo é destacar os avanços legislativos locais no cuidado com os fibromiálgicos. O evento conta com realização e apoio institucional da Procuradoria da Mulher e das secretarias municipais de Saúde e Assistência Social, reforçando o compromisso com a causa.

O encontro também terá um momento cultural com o lançamento do hino do movimento, composto por Conceição Cruz, escritora e compositora, membro da Academia de Letras de Pará de Minas (cadeira nº 4) e apresentações de voz e violão.

O evento será no próximo dia 25/09, às 15h, na Câmara Municipal de Pará de Minas. As inscrições gratuitas devem ser feitas no link: https://forms.gle/ZMFHEZYH9ZVkRj9b8.

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Assista ao evento e à apresentação do Hino no vídeo abaixo:

 

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Veja a sequência da música ilustrada:









19 de setembro de 2025

Livrai-nos do mal, amém!

Francisco Vilas Boas
Cadeira n.º 20
 

Tempos atrás, li numa pichação de muro do Rio de Janeiro que dizia: “você olha da direita
pra esquerda e o Estado te esmaga de cima pra baixo”. A lembrança veio diante de um
episódio curioso: em tempos de polarização, quando o nós contra eles parecia insuperável,
deputados federais de esquerda e de direita, que se atacam semanalmente no Congresso,
uniram forças para aprovar, com urgência, a PEC da Blindagem.


Urgência de quê? Urgência para quem?
 

A PEC da Blindagem não discute o aumento da faixa de isenção do imposto de
renda, a revisão da escala 6x1, nem novos investimentos em saúde ou educação. Nada disso.
A pressa foi para aprovar regras que dificultam que parlamentares federais respondam por
crimes, condicionando a atuação da Justiça à autorização da própria Casa Legislativa.
 

Como disse o Prof. Mario Spangenberg, decano da Faculdad de Derecho y Artes
Liberales do Uruguay, “se você tem um direito e os demais não, então você não tem um
direito, mas um privilégio”.
 

Parece que alguns dos nossos “representantes” trabalham intensamente, não para
o interesse dos seus representados – mas para os seus fins particulares. Foucault, no conjunto
de textos "Um diálogo sobre o poder e outras conversas", já advertia que o poder é exercido às
custas do povo e que quem o exerce sempre encontra brechas para violar as regras que ele
mesmo cria. A PEC da Blindagem é um exemplo dessa lógica.


Como professor, sigo acreditando na educação como instrumento de transformação.
E não tenho dúvidas de que, quando estimula o pensamento crítico, ela nos impulsiona a
buscar soluções para reduzir privilégios e ampliar direitos, pois, como na frase atribuída a
Paulo Freire, “o sistema não teme o pobre que passa fome, teme o pobre que sabe pensar”.
 

É justamente o pensamento crítico que deve orientar nossas escolhas. Quem se
indigna com as desigualdades sociais, com o racismo, com as múltiplas formas de
discriminação e com o excesso de privilégios dos privilegiados, nas próximas eleições,
precisará refletir sobre quem deve ocupar o papel de representante.


Acredito que é nosso dever fazer da sociedade um lugar mais justo para se viver e
conviver. E penso que a educação é o caminho. Recorrendo mais uma vez a Paulo Freire, dou
eco à máxima de que “A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas.
E as pessoas transformam o mundo”.

9 de setembro de 2025

Romualdo em busca de sua liberdade

Geraldo Phonteboa
Cadeira n.º 14

Imagine um homem negro, com 62 anos, não 62 anos quaisquer... 62 anos de cativeiro. Mesmo após publicada a Lei do Sexagenário, no ano de 1885, esperava que seu senhor lhe concedesse sua liberdade. Mas isso não acontece. Fica sabendo que seu senhor renova sua matrícula e declara que ele tinha a idade de 45 anos. 

Sentindo-se injustiçado, recorre à justiça e faz denúncia, solicitando a sua liberdade de "injusto cativeiro". E apresenta, em sua defesa, sua certidão de nascimento, passada  pelo vigário de Pitangui. Como não bastasse, teve ainda que arrolar testemunhas para comprovar, em juízo, que aquela certidão se referia de fato a ele, buscando contrapor ao documento de matrícula feita por seu senhor. 

Então, o juiz municipal da Cidade do Pará aceita o pedido deste homem que vivia em situação de escravidão.  Para garantir o mínimo de proteção a este escravizado, nomeia um Curador para representá-lo judicialmente, e um depositário, com quem ele ficaria enquanto aguardasse sua liberdade. E o processo corre.

Os documentos são juntados aos autos. Seu senhor foi notificado e audiência foi marcada. Chega o dia da audiência e o senhor não comparece e ,alegando a impossibilidade, pede ao juiz outra data. E então o juiz concede. 

Em segunda audiência, novamente o senhor não comparece. E o juiz, após ouvir as testemunhas e à revelia dos senhores, faz o julgamento. Romualdo é declarado livre, mas não plenamente. Isso porque a lei exigia que o escravo liberto após 60 anos deveria prestar serviço ao seu senhor por mais 3 anos, a título de indenização. 

Esta agência deste homem escravizado, que durou meses (janeiro a abril de 1888). Mesmo após sua vitória, teria ele que voltar para junto do seu senhor e ainda lhe prestar o serviço previsto pela lei. Felizmente isso não ocorreu, pois em seguida veio a Lei Áurea, que declarou extinta a escravidão no Brasil. 

Histórias como esta estão à sua disposição no acervo do Museu Histórico de Pará de Minas. Conheça!