Havia,
em lugar distante, uma palavra pronta para nascer. Sem idioma, tom ou cor, pura,
simples, de fácil pronúncia, pronta a ser sentida, ouvida e interpretada, vinda
de grande e profética inspiração. Já sonhava incorporar-se a um extenso,
caótico e confuso vocabulário, desejosa de atrair e reunir para si o que de
melhor houvesse nos dicionários, dando-lhes uma ordem reveladora e
potencialmente transformadora – doce e suave utopia. Gestada na dor, na pobreza
e no fundo das contradições deste mundo, iria em pouco nascer consciente e
propositada, sabedora de que a palavra mais bela não é necessariamente a mais
sonora, nem a mais poética: é a mais justa. Esta é aquela que cabe – que tem as
dimensões exatas para a sua missão principal: o diálogo e o entendimento.
Queria surgir em paz e sem glórias, exato oposto daquelas que irrompiam com
estrondo e disputavam lugar e poderes de significação, para que dela dessem
conta aos poucos e lograsse se incorporar na gramática da ação cotidiana, dissolvendo-se
mansa e humildemente em toda a natureza. Uma palavra sempre é prenunciada por
outras, por isso, todas podem ser proféticas. Esta, prestes a ganhar a luz,
queria ser anúncio, sinal de fé e de esperança na linguagem e naquilo que
existe além, no vasto universo do sentido. Em breve, cada fonema, cada sílaba
que a compõe, estará, então, disponível para pronúncia, participando da eterna
batalha entre o dito e o entendido. Lutará para ser percebida, sujeitando-se
aos erros e incompreensões, assim está escrito. Mas algo, numa noite remota, já
dizia que aquele simples vocábulo ganharia corpo e vozes, seria grifado e
sublinhado, ressurgido sempre nas expectativas de graça e infinitude.
Fátima Peres, a segunda da esquerda para a direita, tomando posse na Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira.
A Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira realizou, no dia 13 de dezembro de 2025, a solenidade de posse da 4ª Turma Acadêmica, em cerimônia realizada no Palácio da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais. Ao todo, 11 novos acadêmicos foram empossados, celebrando o fortalecimento da cultura, da história e da genealogia mineiras.
Entre os empossados, destaca-se a acadêmica da Academia de Letras de Pará de Minas (ALPM), Maria de Fátima Moreira Peres, que passou a integrar a Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira como fundadora e titular da cadeira nº 99, cujo patrono é o jornalista Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho. Na ALPM, Fátima Peres ocupa a cadeira nº 15, que tem como patrono Vinícius de Moraes.
Na mesma ocasião, a cerimônia também foi marcada por uma justa e emocionante homenagem a mulheres que se destacam por sua atuação na sociedade. A presidente da Academia de Letras de Pará de Minas, Carmélia Cândida, foi reconhecida como “Mulher Notável”, tendo seu currículo apresentado ao público e sendo agraciada com o Diploma de Honra ao Mérito Inconfidente Hypólita Jacintha Teixeira de Mello – Mulher Notável de Minas Gerais. Por impossibilidade de comparecimento, Carmélia Cândida foi representada na solenidade pela acadêmica Maria de Fátima Moreira Peres, que recebeu a homenagem em seu nome.
A Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira, fundada em 8 de outubro de 2023, é uma instituição cívica, cultural, educacional e filantrópica, criada pela Ordem dos Cavaleiros da Inconfidência Mineira, com raízes históricas ligadas às antigas tradições de Vila Rica e ao movimento que marcou a história do Brasil: a Inconfidência Mineira.
Com o ar denso e úmido, o sol cede lugar aos aguaceiros. Meu dezembro é dos fins de tarde tempestuosos, aos quais o calor do dia quase não cede. O frio está só nas representações exógenas de neve polar e de um velho embrulhado em roupa vermelha, quente como a visão intempestiva de uma lareira acesa. Minha infância vivia este mês com entusiasmo, um período de intensa ebulição. De súbito, toda gente se põe a correr pra todo lado, as ruas se enchem, ficam mais iluminadas e explode o consumo. Essa detonação aniquila qualquer pretensão de tranquilidade, a culminar com o som dos foguetórios da virada do calendário. É o colapso barulhento do ano envelhecido e a inauguração estrondosa de um novo, promissor, onde agitamos nossos corpos numa overdose festiva. Também um tempo que evoca esquecidas solidariedades, por um espírito que nos comove, como se o mês, na lembrança cristã, nos despertasse um enorme desejo de sermos um, em atenção e presença. Com tudo isso, nos traz, em paradoxo, a consciência de tudo o que é abundante e de tudo o que nos falta. Assim, ele se faz alegre e triste em simultâneo. Meu dezembro tem gosto de sorvete de limão.
Na solidão do meu ateliê, tenho diante de
mim um bloco inerte de mármore. Como sempre faço, deixo primeiro que fale
comigo. Fico a escutá-lo horas a fio, com paciência, e a admirar sua alva
superfície, com veios de cinza que nela desenham com suavidade toda uma
história da terra, as recordações pétreas das montanhas e, por que não dizer,
das vagarosas mudanças geológicas através das muitas eras de formação. Uma bela rocha como esta, já tem valor por sua mera existência mineral e milenar, uma criatura ancestral que é obra-prima dos tempos. Foi arrancada do seio da terra. Já não é mais a
própria pedra, mas matéria bruta deslocada, cortada e aparada, em busca de seu
sentido. Agora fico ali, absorto e reverente, a buscar desvendar sua vontade e
seu destino. Por vezes me demoro em compreender o que me mostra e o que me
esconde, e em adivinhar o que nela está adormecido, mas espero o momento exato
de revelação, que é aquele onde os desejos deste bloco, em sua singular beleza,
se encontram com os meus. É a hora de uma mágica inspiração mútua, onde
transcendemos nossa materialidade. No meu breve transe, esculpi pela imaginação
neste mármore os meus sonhos. Estes ganham volume e beleza, em pensamentos
leves que vão dando um delicado relevo e contornos de eternidade às nossas
almas. Então, é hora de tomar do cinzel e trabalhar a forma libertadora.
Conforme se despregam os fragmentos, vai-se liberando a alma aprisionada bem
nas entranhas do mármore e uma imagem vai se figurando alegre entre os meus
dedos. Este bloco agora está quieto. Deixa-se apenas mostrar,
transfigurando-se, lentamente. Também eu me calo e, determinado, deixo-me fundir em
experiência àquela imagem sonhada em comum. Assim, enlevado, entro em novo
estado, no qual meu corpo se dilui no ato que executo. Neste novo transe, já
não sei mais se estou a esculpir a pedra ou se ela é que está a me moldar. Nem me importo. Já estou sonhando nela! A obra, uma vez acabada, é um monumento de
mim mesmo, memorial e onírico. Não é uma escultura estática, mas um mapa sem
peso algum, capaz de dançar livre, solta no espaço. Para você, não é uma obra
silenciosa, mas uma contadora de histórias, que diz de uma alma que se
reconverte em matéria e de uma aventura íntima que conecta as mãos à mente, a
mente à terra e a terra ao cosmos.
Hoje apresento a vocês a história de Constança. Uma mulher preta, escravizada, que afirma que não havia sido matriculada, conforme determinava a Lei de 1871 - que é a lei do Ventre Livre. E para ela o seu Senhor não havia feito tal matrícula. Nesse sentido, a petição inicial é muito simples, objetiva e direta. Ou seja, não há nenhum outro argumento. Somente isso, não foi matriculada pelo seu senhor e, portanto, teria o "direito" à liberdade.
Em todo caso o Juiz Municipal, aceita a petição e nomeia um Curador e um depositário. E o processo se inicia. Em seguida o Juiz Manoel Joaquim Cavalcanti de Albuquerque, solicita a verificação através do livro de matrícula do município. E ao fazer isso, vem a surpresa: Francisco Alves da Cunha, apontado como Réu no processo, isso porque Constança estava sob o domínio deste senhor., não era de fato senhor de Constança, pelo menos não era isso encontrado no livro de Matrícula de Escravos do Município. O Verdadeiro dono de Constança era outro. Veja a Certidão de Matrícula:
Diante das informações desta certidão, o Juiz não tinha muito o que fazer, a não ser suspender tanto o depósito, bem como a curatela de Constança, para depois encerrar o processo. Então expede o mandato para que os oficiais de justiça ir até a casa do depositário buscar a escrava e entregá-la ao seu verdadeiro dono. E isso acontece. O oficial de Justiça vai até o distrito de Mateus Leme, em casa do curador, buscar a escravizada Constança. E ela não se encontrava na casa do depositário, mas que estava em sua propriedade na Fazenda da Sesmaria, naquele distrito. Chegando à fazenda, o depositário rejeita a entrega de Constança, por ela já ser livre, pois já havia recebido "Carta de Liberdade", que ela, Constança, havia dado ao seu senhor, José Nunes da Costa, por esta liberdade.
Os oficiais de Justiça retornam ao Juiz e informa a situação. O Juiz não aceita aquela situação e envia novamente os oficiais, até à Fazenda Sesmaria para trazer a escravizada, e que apresente a carta de liberdade. Novamente o depositário recusa entregar Constança aos oficiais, alegando que não poderia entregar "pessoa livre" contra a vontade dela. Informa também aos oficiais que ele não tinha em seu poder a referida "Carta de Liberdade".
Diante desta informação, o Juiz faz intimação ao depositário e ao Curador para apresentar em audiência o documento que garantia a liberdade de Constança, sob as pena da Lei. E então, em 04 de agosto de 1887, em audiência pública, a Carta de Liberdade de Constança é apresentada ao juiz. Que após verificada a veracidade da mesma, declara Constança como mulher livre. Mas, por que a relutância em apresentar esta carta por parte do depositário? Por que ele resistiu tanto entregar esta carta ou apresentá-la ao juiz? E a resposta está na própria carta. A carta de liberdade foi passada em 21 de julho de 1882, 5 anos antes de Constância entrar na justiça. Ou seja, esta demora do depositário em entregar a carta e até mesmo devolver Constância ao seu dono estava no fato de que ele tinha intenções em continuar explorando o trabalho de Constança. Ele já era livre, mas estava em sua fazenda, prestando algum tipo de serviço. E foi por isso também que o Réu no Processo, Francisco Alves da Cunha, também não podia matriculá-la, pois se poderia descobrir que ela já era livre. Era conveniente para os senhores tentar encobrir esta situação.
Dá para imaginar que muitos escravizados, mesmo já com a carta de alforria, não tinha garantias de sua liberdade, sendo preciso recorrer à justiça para conseguir, de fato, ser livre, e muitos escravizados não saberia como fazer isso. Constança torna-se assim um exemplo de como a informação pode ser útil na garantia de seus direitos.
História como esta encontram-se a espera de pesquisadores e leitores no Acervo do Museu de Pará de Minas - MUSPAM.