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Li um texto de Rachel de Queiroz
com o título “Ah, a vaidade literária!” e nele ela divaga, vai ao passado,
lembrando fatos relacionados com o tema que ela escrevia. Outras vezes começava
a desviar do assunto, narrando um fato de que havia se lembrado. Pouco depois
voltava ao tema dizendo: “Mas estávamos falando em escrever..” e com a maestria
tão própria dela tudo caminha de uma maneira agradável, que prende o leitor o
tempo todo. É como se ela estivesse a nossa frente conversando e muitas vezes
parece até que fazemos parte da conversa, pois ela usa a primeira pessoa do
plural, como no último trecho citado.
Nesta
prosa boa, senti-me numa das noites de inverno lá da fazenda, reunida com todas
as pessoas da casa na beirada do fogareiro, que era um recipiente de metal com
formato arredondado e se sustentava em três pés. Nele se colocavam brasas para
aquecer as pessoas. Ali a conversa era anacrônica, ia ao passado e voltava ao
presente com a maior agilidade. Nós, crianças, muitas vezes sem conhecer os
personagens, nos envolvíamos com as histórias.
Numa dessas divagações,
Rachel se lembra do cargo que existia nos tempos idos e que se chamava
“secretário de jornal”. Era, como ela disse, muito mais temível que o próprio
dono do jornal. Todos os textos tinham
de passar pela sua correção e, pelo que ela narra, a caneta dele funcionava
como uma temível censura. O que ele riscasse não tinha mais salvação. Ninguém
poderia questioná-lo. E ela narra: “ Me lembro de certa vez, quando colaborava
no findo Correio da Manhã, vi devolvida, riscada a lápis vermelho, uma frase
iniciada por pronome oblíquo: Me
parece... O papel me voltou rodeado por um círculo vermelho, como um sol de
fogo. E quem o traçara fora o próprio secretário, o dr. Costa Rego em pessoa. Meninas são atrevidas, e eu
ousei replicar (em lápis azul) – Mas o Mário de Andrade escreve assim...” “A
senhora não se chama Mário de Andrade. Corrija o texto.” “Com a mão de revolta,
corrigi o texto para Parece-me. Acho
que foi neste dia que se agravou o meu surto comunista.”
Ao ler
isso, lembrei-me de um caso semelhante acontecido comigo. A minha professora
corrigiu uma vírgula mal colocada num texto que eu escrevera. Falei com ela que
eu achava que nem sempre as vírgulas deveriam seguir as regras. Que a pessoa
que escrevia deveria ter a liberdade de
colocar a pausa onde bem entendesse, e completei: “A Clarisse Lispector
determinava o lugar que ela queria e não admitia que o editor de seus livros
mudasse ou suprimisse uma vírgula. Dizia que somente ela sabia onde era
necessário dar uma pausa”. Ela olhou-me, deu uma risadinha e falou: “Você não é
a Clarice Lispector!” Respondi: “ Mas seria muito bom se eu pudesse ter pelo
menos um pouco da liberdade que ela tinha.”
Admito
ter dúvidas até hoje do correto emprego de vírgulas. O professor Pedro Moreira
é incansável na luta de me mostrar as razões que justificam a sua posição.
Quando levo textos para ele corrigir, sempre me dá pacientes explicações. Às
vezes coloco o raminho no lugar onde
não é necessário e, em outras, eu não o coloco onde é indispensável. O termo raminho é correto. Foi ele quem me disse
que vírgula, em latim, tem esse significado. Não acho que seja tão grave um raminho a mais ou a menos ou fora do
lugar. Creio que seria pior se o erro fosse na colocação das aspas, pois de
acordo com ele, aspas, em suas
origens, significam chifres. Imagine
que grave seria colocar chifres em lugares errados. Aliás os chifres hoje não
são admitidos nem onde eles são originários. Os fazendeiros mocham o gado e fogem das
moscas-de-chifre.
Mas a verdade é que preciso
aprender, sim, pois necessito das vírgulas o tempo todo e, como não sou a
Clarice Lispector, tenho que me submeter às imposições da gramática.
Déa Miranda
Cadeira nº11
Patrono: José Gastão Machado