sábado, 29 de agosto de 2020

Em Dia com a Poesia – No Facebook e no Instagram


Vida infinita à poesia! Vida infinita à arte! Este é o lema da página “
Em dia com a poesia”, criada pelos escritores Carmélia Cândida e José Roberto Pereira, integrantes da Academia de Letras de Pará de Minas.   

Funcionando no Facebook e no Instagram, a página é aberta a poetas e a outros artistas. É um espaço para quem aprecia poesia, arte e cultura. 

O objetivo da página é promover a poesia e a arte. Poesia em seu sentido amplo, ou seja, abordando, também, diferentes manifestações, sempre com o foco voltado para a poesia que cada uma delas traz:   literatura, música, a pintura, o teatro, cinema, dança… enfim, abordando a arte em geral. 

Além de difundir a poesia e compartilhar conteúdos de qualidade, o intuito também é acolher a poesia, a arte e os artistas, divulgando-os e aos seus trabalhos, estabelecendo um diálogo entre a página, elas/eles e o público. 

Textos poéticos, dicas de leitura, informações e muito conhecimento relacionado a essa arte tão importante, mas às vezes elitista e nem sempre valorizada, poderão ser encontrados na página, assim como conteúdos ligados a outras atividades artísticas.  Entrevistas, bate-papos e saraus on-line por meio de lives estão programados para o espaço. 

Carmélia e José Roberto deixam o convite para seguirem a página, afinal, é um espaço que pretende ser de todes! Sigam!


No Instagram: https://www.instagram.com/emdiacomapoesia/

No Facebook: https://www.facebook.com/emdiacomapoesia

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Saudades da escola

 

José Roberto Pereira
Cadeira n.º 12 


Estamos com saudades da escola

Até quem não estuda regularmente deve estar saudoso

Almeja rever o vai e vem de alunos e professores pelas ruas

Rumo à escola, ambiente de grandes vivências

Onde o conhecimento e as amizades prosperam

Lugar de superação, seja aprendendo ou ensinando

Estamos com saudades da sala de aula

Dos burburinhos, dos falatórios, dos alunos indisciplinados e dos caladinhos

E, principalmente, dos professores, dos bravos e dos bonzinhos

Há tempos não ouvimos: “Silêncio! Prestem atenção! Matéria nova!!”

Faz um tempinho que nenhum estudante “mata” aula no banheiro ou no corredor

Protelando aprender alguma disciplina complicada de entender

Sente-se falta até de ter a aula interrompida

 “Pode desligar meu celular?”, “Pode ir à secretaria?” “Pode...?”

Até das tentativas de colar numa prova sente-se falta

De fazer vista grossa diante das consultas nos conteúdos para uma questão

Vulgo “cola” (ninguém é perfeito)

Em algum momento, professor ou aluno podem escolher ceder

Gesto que é compreendido por muitos como aprendizado ou benevolência

Sentimos saudades dos recreios barulhentos

Do tempo escasso para lanchar, ir ao banheiro

Mexer no celular, bater papo, jogar bola, peteca, amarelinha

Ou simplesmente correr pra lá e pra cá

Tudo isso cabe nuns míseros minutos de um intervalo

Sentimos falta do calendário cheio de datas comemorativas

Dia do índio, da árvore, da abolição da escravatura, da festa da família

Dia de quem estuda...

Tem gente sentindo falta das paqueras escondidas, descobrindo-se em amores

De ficar com a “cabeça quente”, de se aborrecer com alguém, de fazer as pazes

Sentimos falta mesmo é de conviver uns com os outros

A escola da vida anda nos apresentando tantos obstáculos!

E o conhecimento adquirido nas salas de aula poderá nos vacinar

Contra este tempo que se arrasta e que precisa ser superado

Quem estuda  - aprofundadamente - encontrará a fórmula para nos reaproximarmos

Diariamente...

Estamos com saudades da escola

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Ainda ontem...!

Ailton José Ferreira
Cadeira n.º 7

AINDA ONTEM eu clamava por mais justiça. Hoje sei que também tenho que lutar mais por ela!
AINDA ONTEM eu caminhava em dúvidas. Hoje sei que elas se transformam em certezas quando caminho na direção correta!
AINDA ONTEM eu olhava para o infinito buscando algo. Hoje sei que o encontro deste algo são nossos objetivos que alcançamos!
AINDA ONTEM eu amava muito. Hoje sei que amo mais ainda!
AINDA ONTEM minhas palavras buscavam mais sentidos. Hoje elas me respondem que preciso de mais palavras!
AINDA ONTEM eu queria ser mais forte. Hoje sei que minhas fraquezas são necessárias para me fortificar!
AINDA ONTEM eu pensava mais no futuro. Hoje reconheço que ele depende dos nossos passos no presente!
AINDA ONTEM queria mais humildade em tudo que faço. Hoje acredito que preciso ser mais humilde para encontrá-la!
AINDA ONTEM eu só buscava vitórias. Hoje aprendi que são as derrotas que nos fazem crescer e vencer!
AINDA ONTEM meus olhos buscavam uma imagem da verdadeira beleza. Hoje sei que ela está em cada um de nós!
AINDA ONTEM queria me apaixonar mais por ti. Hoje acredito que esta paixão não pode ser medida!
AINDA ONTEM implorava ao meu coração que batesse só por ti. Hoje sei que ele é todo teu!
AINDA ONTEM o perfume do teu jardim era incomparável. Hoje sinto que nada a ele se compara!
AINDA ONTEM queria ser mais sensível aos sofrimentos do mundo. Hoje percebo que a minha sensibilidade depende também dos meus atos!
AINDA ONTEM eu queria paz para a humanidade. Hoje sei que ela depende da humildade de todos!
AINDA ONTEM eu olhava para o vazio. Hoje meus olhos são para a eternidade!
AINDA ONTEM buscava mais felicidade. Hoje tenho a certeza que sempre fui mais feliz!
AINDA ONTEM o que eu era? Hoje sei realmente o que sou!
AINDA ONTEM estava sempre a me perturbar. Hoje sei que é a injustiça e a violência que me perturbam!
AINDA ONTEM... AINDA ONTEM? Já vivi tudo é passado. Hoje... Hoje? Sei que o meu caminho é seguir em frente, e amar sempre!
QUE DEUS ABENÇOE A TODOS!

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Vivendo, sentindo e aprendendo

 

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2


A gente precisa dizer pra nós mesmos que está ou que vai ficar tudo bem. A gente consegue  ser forte, erguer a cabeça e se manter firme.  Às vezes, até dizemos que não estamos nem aí pra isso ou aquilo, já que não há como mudarmos a situação. Mas estamos.


Quem nos vê,  muitas vezes,  fica admirado com o quanto somos bem resolvidos,  com o quanto estamos bem. Mas ninguém sabe o que de verdade vai dentro de cada um.   Tudo é imagem neste mundo vão.


A gente faz tudo isso.  Mas no fundo, bem no fundo,  as tristezas e frustrações  ficam em repouso lá dentro de nós.  Seguimos bem,  sorrindo sempre que possível.  Procuramos nos divertir,  aproveitamos o momento e temos muitos momentos alegres. Podemos nos sentir felizes.


Mas as tristezas,  as frustrações, uma dor que nos acompanham, vez ou outra, nos lembram que estão lá.  Elas jamais se deixam ser esquecidas completamente.  Será que para  nos lembrar de aproveitar ao máximo o que nos faz bem e nos deixa felizes, enquanto é tempo?



Na juventude, as tristezas, dores e frustrações costumam ser menores.  Tendo vivido pouco, teremos experimentado – e, consequentemente sofrido – menos. A vida vai passando, a gente vai acumulando decepções que vão deixando cicatrizes. Mas o pior são as perdas, principalmente quando começamos a perder pessoas amadas... aí a vida vai perdendo sua beleza...


Uma pessoa querida me disse, recentemente,   que tudo isso tem a ver com amadurecimento. Ela tem razão.  Amadurecimento envolve aprendizagem. Para uns, é inevitável; enquanto, para outros, é dispensável.  Há quem chega aos 60, 70 anos sem ter amadurecido ou evoluído nada.   Para todos, é necessário.  E pode ser doloroso.

Assim é a vida. A gente aprende mesmo é vivendo, é sentindo e, muitas vezes,  sofrendo, infelizmente. Não é bonito romantizar o sofrimento, não estou dizendo que a gente precisa sofrer para aprender. Não.  Podia ser diferente. Mas acontece. Nem devíamos sofrer tanto. Mas sofremos.


Seguimos e ainda oferecemos o nosso melhor para os outros. Estamos bem. Se não estamos, não há problema,  pois ninguém tem obrigação de estar feliz o tempo inteiro. Estar triste também faz parte, é um direito, embora pouco ou nada reconhecido neste tempo em que estar feliz o tempo todo parece ser um dever. Na contramão, não  ser tão seguro e confiante como parece é mais comum do que se pensa. 

 

Eu não me importo de não ser alegre o tempo inteiro. Não mesmo. Nem quero. Seria muito falso. 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

A mudança

José Roberto Pereira
Cadeira n.º 12 

Aqui estamos nós

Mais uma vez

Entre caixas, caixetas e caixões

Embalando nossas lembranças

Nossas memórias, casos e histórias


Como é fria a mudança

Fragiliza a esperança

Corrói nossas bases

Atropela nossa vida

Nos expõe à rua alheia


Até a escada nos detém

Impede a passagem do guarda-roupa

Do sofá, do fogão a gás

Perdeu-se já nossa identidade

Nosso lar, nosso cantinho


Pelas alamedas sem flores

Vão nossos móveis

Nossas plantas

Nossa cama de casal

O criado-mudo, o guarda-louça


A mudança

Quebra nossos vidros

Rasga nossos lençóis

Extravia nossas bugigangas

Nossas fotografias de viagens

Arranha nossos discos de vinil

Nossos quadros escolhidos

Nossos presentes de casamento

Minha caixa de enxoval


Pelas curvas e esquinas

Sobre os paralelepípedos e quebra-molas

Segue o caminhão

Sem cuidado, sem carinho

Sem saber que ali

Sobre as tábuas frias da carroceria

Seguem vidas rumo a um destino incerto

Porém, fiéis à suas sinas.


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Passarinhos

Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
    Passarinho fez seu ninho
    bem escondidinho
    entre as folhas da árvore.

    À tarde,

    da varanda da minha casa,
    vê-se uma multidão deles,
    saltitando de galho em galho!

    Dali, voam para o poste

    e, nos fios,
    lembram notas musicais!

    Na cidade,

    aprenderam a diferenciar
    luz do poste,
    luz do dia!

    De onde vem tanta alegria?


    Será que almoçaram

    e jantaram direitinho?
    A mata está longe!
    A vegetação está seca!
    Os asfaltos cobrem os rios...

    Porquê

    Deus criou o pássaro
    antes do menininho?

    Ah! Como é lindo

    vê-los voar!

    A melodia deles traz a manhã.


    Faça sol ou faça chuva!


    O sol, brincando

    de esconde esconde,
    está a sumir
    detrás da serra...

    Onde estarão os passarinhos?


    Há apenas

    "vozes em uma árvore "
    com suas folhas verdinhas
    "cantando alegre"
    no meio da avenida!

    A noite,

    vai chegando
    pé
    antepé!

    Silêncio!

    Nem mais um pio...

    Carros, motos, caminhões

    não façam barulho!

    Não sabem que agora,

    no colo desta árvore,
    adormecem os pequeninos?

    Daqui a pouco,

    a lua vai surgir:
    à árvore fará companhia!
    Também as estrelas virão
    Para enfeitar o doce ninho!

    Decerto, ali, eles sonharão

    a sua nova sinfonia!

    Passe,

    passe bem
    calmamente
    oh, madrugada fria!
    Deixe que eles descansem!

    Daqui a pouco,

    a sinfonia alegre
    dos seres alados
    fará despertar o sol
    que trará um novo dia!

    Silencia a cidade.


    Calmamente...


    Nem mais um pio!

    Tudo, tudo é silêncio
    para não acordar os bichinhos!


______________________________________

Imagem: https://publicdomainvectors.org/pt/vetorial-gratis/Ramo-azul-e-um-p%C3%A1ssaro/81267.html



domingo, 9 de agosto de 2020

Paterna idade...

Renata Teixeira da Silva
Cadeira n.º 3




Pai, já passou tanto tempo... 

Mas sempre é momento  

de pedir desculpas e agradecer. 

Felizmente, a maturidade chega um dia... 

E sou grata pela minha porção “você”... 

Gratidão por me ensinar que honra e simplicidade 

são bem-vindas em qualquer lugar. 

Perdoe-me pelas vezes em que saí  

da condição de filha, para julgar... 

 

Sou grata por nos ter tratado 

como “meninas que correm com lobos”... 

Obrigada por nos fazer fortes 

resistentes a “medos bobos”... 

 

Perdão, pai, pelas vezes 

Em que me afastei de você... 

Felizmente, a maturidade chegou 

E vejo o quão grande foi capaz de ser. 

Seus neologismos (bercurta, jabutifruta...): 

presença de espírito que jamais poderemos esquecer! 

 

Vê-lo lendo western 

fez-nos também leitoras... 

Assistir ao Trinity nos fez irreverentes... 

E as voltas de jipe nos tornaram desbravadoras. 

Seus discos de vinil nos trouxeram 

dança, imaginação, poesia... 

Sua inteligência nos colocou 

sempre em busca da sabedoria. 

Aprendemos a usar ferramentas 

e, mesmo não lembrando seus nomes, 

o seu é sempre lembrado por nós 

com fundo musical do Morricone... 

 

Era uma vez no Oeste... 

Um dólar furado à beça!  

Era uma vez... um pai e suas três filhas 

(e é bem aí que nossa história começa)... 

Honro sua vida como meu pai 

Sou grata por tudo o que pude aprender 

Percebo sua presença em mim... 

E vejo meu eu em você!  



O amor do meu pai

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2


Meu pai me contava histórias. Tantas que foi preciso um espaço bem grande no coração para

acomodá-las. Todas estão guardadinhas comigo. Também havia um cordel, a história de um tal pavão
misterioso, que ele recitava inteirinho para mim, coisa mais linda que o céu numa noite de lua cheia. Meu primeiro contato e encantamento com a poesia. 

Ele acordava cedo para ir para o trabalho. Trabalhava em  serviço pesado, operário em uma indústria siderúrgica, e chegava cansado em casa. Mas vinha sempre com um sorriso e disposição para nos aconchegar.

Todos os dias ganhava, no almoço na empresa, um pedaço de doce para a sobremesa. Ele nunca comia o dele, guardava para mim e para meu irmão menor. Na hora de sua chegada – meu irmão, minha mãe e eu, festivos – o esperávamos em um banco que ficava no passeio da nossa casa, quando ele  nos dava o doce – coisa rara de se ter em casa – e nós o dividíamos. Era uma doçura sem fim!

Aos domingos, se não estávamos na roça, era “lei” nos levar à missa das crianças na Matriz de Nossa Senhora da Piedade. E, na volta para casa, se tinha dinheiro, passávamos na Sorveteria Alvorada, e ele nos dava  a felicidade em forma de sorvete.

Quando estávamos na roça, o que era sempre, nadávamos todos no rio, e ele nadava comigo nas costas, eu ia agarrada ao pescoço dele, tão segura, e era quase como se eu estivesse voando. Na época de plantar milho, minha mãe, ele, meu irmão menor e eu formávamos uma ótima equipe. Ele abria as covas, meu irmão e eu íamos colocando as sementes, e minha mãe as cobria de terra. Eu adorava aquilo e ficava impressionada com o quanto podíamos ser eficientes juntos.

Eu cresci, e ele sempre foi um exemplo, uma inspiração, orgulho. Esteve presente em todos os momentos da minha vida, me acolhendo, me apoiando, me aplaudindo. Sensível, sentimental, amável para com todas as pessoas. Alegre, apesar de todas as dificuldades que enfrentou e que enfrenta e de lutar contra uma depressão que, vez ou outra, o assombra mais vigorosamente. Às vezes ele se abate, e tudo fica tenebroso, mas ele nunca se entrega, pede socorro e se reergue.

Hoje, adulta, madura, deito-me no sofá e coloco meus pés sobre suas pernas. Ele fica coçando meus pés, como quando eu era criança e como fez a vida toda. É impressionante como ele não se cansa! Outras vezes, fico num sofá e ele noutro, e conversamos sobre assuntos diversos e, muitas vezes,  ele relembra o passado. Ou ficamos vendo tevê, à noite, até que ele comece a cochilar, já sentindo os efeitos dos seus remédios para dormir, e eu, que durmo na casa dos meus pais duas vezes na semana, o levo até a cama, me encarrego de colocar o copo de água ao lado da cabeceira,  ajeito suas cobertas, apago a luz.

Olhando seus cabelos brancos, seu olhar cansado,  as mãos calejadas,  penso em tudo que ele passou, no quanto foi – e é – valente, mesmo com toda sua fragilidade.  Há passagens tanto na vida dele como da minha mãe que me dão uma tristeza profunda pelo tanto que foram sofridas. Dá vontade de poder viajar no tempo e estar lá para fazer alguma coisa para ajudar.

Mas é nos momentos felizes que eu procuro me concentrar. Na alegria dos dois e no quanto sou afortunada por ter um pai e uma mãe tão amorosos, tão entregues ao amor pelas filhas e filhos. Esse amor é uma luz acesa dentro de mim a me iluminar, a me impulsionar para que eu me mantenha firme e que siga adiante. Foi por esse amor que nasci, é dele que fui nutrida. E é ele que sempre norteará meus caminhos.

 

Feliz Dia dos Pais a todos os pais que, de verdade, se fazem presentes e essenciais na vida de seus filhos.

_________________ 

Se você gostou deste texto, acompanhe a autora em seu Instagram:  @carmeliacandida

sábado, 8 de agosto de 2020

José Alexandre da Cruz


Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
(na interpretação de Geraldo Phonteboa - cadeira n.º 14)









Mais forte que o touro

José Roberto Pereira

Cadeira n.º 12

Eu tenho uma cicatriz enorme na minha perna direita. Ela é saliente, está abaixo do joelho e circunda a perna quase toda. Originou-se de um corte profundo em que o osso ficou exposto. Na parte

mais silente, ainda é possível reconhecer as pontas pontiagudas e afiadas do arame farpado. Pressionado, o arame foi entrando na minha pele, cortando a carne até descobrir parte do osso. A princípio, não senti dor. Não durou mais que dois minutos o tempo de eu ser arremessado, espremido contra o arame e cortado. Não sentia a dor do corte nem gritava. Estava emudecido pelo pavor de ter um touro chifrando-me as costas e comprimindo-me com toda a força que conseguia contra os fios de arame farpado. Eu sentia sua cabeça, seu hálito, os pelos grossos e os chifres, que também atingiam minha cabeça, mas não percebia minha pele sendo cortada.

Antes, eu estava sentado na traseira de um carro de boi. Minha tia Maria Custódia conduzia a junta de bois que nos levava. Ela, em pé sobre a carroça, guiava os animais com a ajuda de uma vara que continha um ferrão na ponta. Saímos do terreno do meu avô, passamos por uma porteira que foi aberta por mim e entramos em terras do vizinho, o senhor Nereu. Foi só o tempo de eu me sentar novamente no fundo da carroça, após ter fechado a porteira, segurar-me nos fueiros e ficar com as pernas balançando no ar...

Fomos surpreendidos. Um touro surgiu entre moitas do pasto, pulou para dentro da estrada e veio com tudo para cima dos bois que puxavam a carroça, presos na canga... Houve um princípio de briga, e o carro de boi ziguezagueou na estrada, levantando poeira. Seguidamente, um solavanco forte, e o carro foi de encontro à cerca de arame. Quando percebi, já estava sendo pressionado pela cabeça do animal raivoso contra os fios de arame...

Subitamente, um dos fios, o que cortava minha perna, arrebentou... Fui jogado para o outro lado da cerca, numa palhada de milho. Só então percebi o corte. Tive um princípio de pânico. Mesmo com cinco anos de idade, eu entendi a gravidade da ferida e me dei conta de que tinha que sair dali às pressas. Num instinto de sobrevivência, voltei pela mesma abertura do fio arrebentado, único lugar que me daria acesso novamente à estrada. Já não era o touro que me despertava medo, era o corte profundo que exibia tão descabidamente parte do osso da minha perna. Nem pensei que poderia ser atacado pelo animal novamente, eu só precisava sair dali para estancar o sangue. Precisava ir em busca de qualquer pessoa que pudesse me acudir. Eu tinha ciência de que precisava chegar até alguém para ser salvo. Não vi  nem ouvi minha tia... Norteado pelo instinto de sobrevivência que me tomava por inteiro, incrédulo em relação a qualquer outro perigo, passei, com toda rapidez que pude, pelos animais que ainda lutavam. Venci o trajeto entre eles e a porteira, correndo, ora com a perna cortada suspensa no ar, ora apoiando-a levemente no chão empoeirado. Passando por entre as tábuas da porteira,  corri o quanto consegui ainda sem chorar ou gritar... Até que cheguei ao terreiro da casa do meu avô materno, Francisco. Dei de encontro com minha tia Lutinha. Ela carregava latas cheias d’água para os porcos. Quando olhou a minha perna, ficou em choque. Desnorteada, jogou um pouco de água sobre o corte da perna. Só então meu grito saiu. Vi outros cortes e arranhões pelo meu corpo. Minha cabeça, a outra perna, as costas doíam, mas o corte na perna direita, com a pele desbeiçada, me impressionou... Senti uma dor tão intensa que perdi o fôlego. Tive um apagão...

Tenho uma vaga lembrança de meus pais e tios, depois disso, no meu entorno, e de mim ainda de pé, no terreiro, apoiado em alguém. Não tenho recordação do paradeiro, naquele dia, da tia Maria Custódia...

Em seguida, meu pai me pegou nos braços e saiu da casa do meu avô, correndo, em direção à nossa casa, seguido pela minha mãe. Eu passei meu braço em volta do pescoço dele numa tentativa de travar meu corpo, pois os solavancos dos passos apressados causavam dor em todos os cortes. Eu já não chorava, não conseguia. Só queria me livrar das feridas. Passamos novamente pela porteira, pelos bois que já estavam mais apaziguados, e seguimos ora correndo, ora com passadas rápidas. O trajeto entre as casas era longo, sinuoso, com morros íngremes e descidas escorregadias cheias de cascalho. Meu sangue tingia o sujo da roupa do meu pai, que, antes do acontecido, estava trabalhando em lavoura de tomate. Sua camisa estava encharcada do meu sangue e de suor. O fôlego lhe faltava nas subidas íngremes. Talvez meu corpo machucado pesasse mais a cada passo dado. Doíam-lhe as costas, sangravam meus cortes... A dor que eu sentia era menor que o desejo de me livrar dos ferimentos. Minha mãe corria, tentando nos acalcar.  Às vezes, ela desaparecia do meu campo de visão. Em alguns momentos, conseguia correr quase ao nosso lado. Quando me olhava, chorava... Chorávamos ela e eu, menos meu pai, que só queria correr até nossa casa. O trajeto entre as casas, que ficavam em lugarejos diferentes, durou uns quarenta minutos. Tive outro apagão.

Não tenho lembrança da chegada à minha casa, da reação da minha avó Adelina ao me ver tão machucado. E nem sei como apareceu no lugarejo onde morávamos, naquele idos, final dos anos de 1970, um carro que, milagrosamente, nos levou ao hospital, na cidade. Automóvel por aquelas bandas era uma raridade. Depois de uma hora dentro do veículo, chegamos onde alguém, por fim, podia me salvar. Tive outro apagão.

Acordei na cama do hospital, com enfermeiros e médicos ao meu redor, dentro da sala cirúrgica. Percebi que estava amarrado. Gritei profundamente, tomado por pavor... Outro apagão. Recobrei os sentidos. Minha mãe estava com seu rosto colado ao meu, tentando me acalmar, dentro da sala cirúrgica. Suas lágrimas se misturavam às minhas. Desisti de tentar manter meus olhos abertos...

Acordei na casa da minha avó paterna, Adelina, onde morávamos, com a cabeça encostada ao peito do meu pai. O touro não havia nos vencido. Nem em pensamentos, nós três sequer cogitamos a hipótese de que o animal poderia nos vencer. Agarramos-nos uns aos outros e o vencemos; mas, emocionalmente estávamos devastados. 

Durante muitos anos, eu só dormia encostado ali, no peito do meu pai. Ele dormia em posição fetal e eu ainda colocava meus pés entres suas pernas. Era o único lugar que me fazia sentir mais forte que o touro.

 

(Desejo um feliz Dias dos Pais a todos os papais e a todas às mães que também são pais. Nossos heróis!!)


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

(A)Gosto... não se discute!

Renata Teixeira da Silva
Cadeira n.º 3



Há gosto de nuvem escura quando parte 

Há gosto de felicidade quando chega 

Há gosto de saudade que arde 

E de poesia que aconchega 

Há gosto de fé inabalável 

E oração feita com vela acesa  

Há gosto de infância feliz 

Com cheiro de amor e inocência 

Há gosto de maturidade  

Obtida com presenças e ausências 

Há gosto de noite estrelada 

E de sol que, em esplendor, se deita 

Há gosto de Sessão da Tarde 

Depois de tarefa já feita 

 

Há gosto de recreio 

Adoçado com bala delícia 

Há gosto de abraços intermináveis 

Apertados na exata medida  

Há gosto de beijos eternos 

Roubados bem na saída 

Há gosto de canções que embalam 

Tantas chegadas e partidas  

Há vida pra tudo que é gosto 

Haja gosto pra tudo... 

Que é VIDA!  

Agosto!...

sábado, 1 de agosto de 2020

(In)seguro

José Roberto Pereira
Cadeira n.º 12

Que eu saiba

Não tenho problemas de autoestima

Mas tive receio da sua reação ao ver-me pela primeira vez

Revisitei minha ansiedade de adolescente

Época em que uma espinha, por um segundo, provocava minha “morte”

Foi difícil te olhar nos olhos

Entrar em seu mundo vasto e misterioso

Cheio de armadilhas e de enigmas ainda indecifráveis

Depois de ser seduzido pelo seu silêncio e cheiro

Deixei-me ser levado como água de um poderoso rio

Meu desejo te acordou a noite inteira

Palavras sussurradas benzeram promessas até o amanhecer

Não desperte do sono, sob a luz do sol, meu bem

Durma ao longo do dia até o anoitecer

Descanse

Pois é sob a lua e as estrelas que os amantes fazem acontecer

Que os olhos alheios nos abençoem ou nos maldigam

Felicidade, às vezes, incomoda ou incentiva

É como palha num celeiro

Qualquer foguinho, vira lembrança

Pois tudo na vida é, inevitavelmente, passageiro.