domingo, 9 de agosto de 2020

O amor do meu pai

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2


Meu pai me contava histórias. Tantas que foi preciso um espaço bem grande no coração para

acomodá-las. Todas estão guardadinhas comigo. Também havia um cordel, a história de um tal pavão
misterioso, que ele recitava inteirinho para mim, coisa mais linda que o céu numa noite de lua cheia. Meu primeiro contato e encantamento com a poesia. 

Ele acordava cedo para ir para o trabalho. Trabalhava em  serviço pesado, operário em uma indústria siderúrgica, e chegava cansado em casa. Mas vinha sempre com um sorriso e disposição para nos aconchegar.

Todos os dias ganhava, no almoço na empresa, um pedaço de doce para a sobremesa. Ele nunca comia o dele, guardava para mim e para meu irmão menor. Na hora de sua chegada – meu irmão, minha mãe e eu, festivos – o esperávamos em um banco que ficava no passeio da nossa casa, quando ele  nos dava o doce – coisa rara de se ter em casa – e nós o dividíamos. Era uma doçura sem fim!

Aos domingos, se não estávamos na roça, era “lei” nos levar à missa das crianças na Matriz de Nossa Senhora da Piedade. E, na volta para casa, se tinha dinheiro, passávamos na Sorveteria Alvorada, e ele nos dava  a felicidade em forma de sorvete.

Quando estávamos na roça, o que era sempre, nadávamos todos no rio, e ele nadava comigo nas costas, eu ia agarrada ao pescoço dele, tão segura, e era quase como se eu estivesse voando. Na época de plantar milho, minha mãe, ele, meu irmão menor e eu formávamos uma ótima equipe. Ele abria as covas, meu irmão e eu íamos colocando as sementes, e minha mãe as cobria de terra. Eu adorava aquilo e ficava impressionada com o quanto podíamos ser eficientes juntos.

Eu cresci, e ele sempre foi um exemplo, uma inspiração, orgulho. Esteve presente em todos os momentos da minha vida, me acolhendo, me apoiando, me aplaudindo. Sensível, sentimental, amável para com todas as pessoas. Alegre, apesar de todas as dificuldades que enfrentou e que enfrenta e de lutar contra uma depressão que, vez ou outra, o assombra mais vigorosamente. Às vezes ele se abate, e tudo fica tenebroso, mas ele nunca se entrega, pede socorro e se reergue.

Hoje, adulta, madura, deito-me no sofá e coloco meus pés sobre suas pernas. Ele fica coçando meus pés, como quando eu era criança e como fez a vida toda. É impressionante como ele não se cansa! Outras vezes, fico num sofá e ele noutro, e conversamos sobre assuntos diversos e, muitas vezes,  ele relembra o passado. Ou ficamos vendo tevê, à noite, até que ele comece a cochilar, já sentindo os efeitos dos seus remédios para dormir, e eu, que durmo na casa dos meus pais duas vezes na semana, o levo até a cama, me encarrego de colocar o copo de água ao lado da cabeceira,  ajeito suas cobertas, apago a luz.

Olhando seus cabelos brancos, seu olhar cansado,  as mãos calejadas,  penso em tudo que ele passou, no quanto foi – e é – valente, mesmo com toda sua fragilidade.  Há passagens tanto na vida dele como da minha mãe que me dão uma tristeza profunda pelo tanto que foram sofridas. Dá vontade de poder viajar no tempo e estar lá para fazer alguma coisa para ajudar.

Mas é nos momentos felizes que eu procuro me concentrar. Na alegria dos dois e no quanto sou afortunada por ter um pai e uma mãe tão amorosos, tão entregues ao amor pelas filhas e filhos. Esse amor é uma luz acesa dentro de mim a me iluminar, a me impulsionar para que eu me mantenha firme e que siga adiante. Foi por esse amor que nasci, é dele que fui nutrida. E é ele que sempre norteará meus caminhos.

 

Feliz Dia dos Pais a todos os pais que, de verdade, se fazem presentes e essenciais na vida de seus filhos.

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