Meu pai me contava histórias. Tantas que foi preciso um espaço bem grande no coração para
acomodá-las. Todas estão guardadinhas comigo. Também havia um cordel, a história de um tal pavãomisterioso, que ele recitava inteirinho para mim, coisa mais linda que o céu numa noite de lua cheia. Meu primeiro contato e encantamento com a poesia.
Ele acordava cedo para ir para o trabalho. Trabalhava em serviço pesado, operário em uma indústria siderúrgica, e chegava cansado em casa. Mas vinha sempre com um sorriso e disposição para nos aconchegar.
Todos
os dias ganhava, no almoço na empresa, um pedaço de doce para a sobremesa. Ele
nunca comia o dele, guardava para mim e para meu irmão menor. Na hora de sua chegada
– meu irmão, minha mãe e eu, festivos – o esperávamos em um banco que ficava no
passeio da nossa casa, quando ele nos
dava o doce – coisa rara de se ter em casa – e nós o dividíamos. Era uma doçura
sem fim!
Aos
domingos, se não estávamos na roça, era “lei” nos levar à missa das crianças na
Matriz de Nossa Senhora da Piedade. E, na volta para casa, se tinha dinheiro,
passávamos na Sorveteria Alvorada, e ele nos dava a felicidade em forma de sorvete.
Quando
estávamos na roça, o que era sempre, nadávamos todos no rio, e ele nadava
comigo nas costas, eu ia agarrada ao pescoço dele, tão segura, e era quase como
se eu estivesse voando. Na época de plantar milho, minha mãe, ele, meu irmão
menor e eu formávamos uma ótima equipe. Ele abria as covas, meu irmão e eu
íamos colocando as sementes, e minha mãe as cobria de terra. Eu adorava aquilo
e ficava impressionada com o quanto podíamos ser eficientes juntos.
Eu
cresci, e ele sempre foi um exemplo, uma inspiração, orgulho. Esteve presente
em todos os momentos da minha vida, me acolhendo, me apoiando, me aplaudindo.
Sensível, sentimental, amável para com todas as pessoas. Alegre, apesar de
todas as dificuldades que enfrentou e que enfrenta e de lutar contra uma
depressão que, vez ou outra, o assombra mais vigorosamente. Às vezes ele se
abate, e tudo fica tenebroso, mas ele nunca se entrega, pede socorro e se
reergue.
Hoje,
adulta, madura, deito-me no sofá e coloco meus pés sobre suas pernas. Ele fica
coçando meus pés, como quando eu era criança e como fez a vida toda. É
impressionante como ele não se cansa! Outras vezes, fico num sofá e ele noutro,
e conversamos sobre assuntos diversos e, muitas vezes, ele relembra o passado. Ou ficamos vendo tevê,
à noite, até que ele comece a cochilar, já sentindo os efeitos dos seus
remédios para dormir, e eu, que durmo na casa dos meus pais duas vezes na
semana, o levo até a cama, me encarrego de colocar o copo de água ao lado da
cabeceira, ajeito suas cobertas, apago a
luz.
Olhando
seus cabelos brancos, seu olhar cansado,
as mãos calejadas, penso em tudo
que ele passou, no quanto foi – e é – valente, mesmo com toda sua
fragilidade. Há passagens tanto na vida
dele como da minha mãe que me dão uma tristeza profunda pelo tanto que foram
sofridas. Dá vontade de poder viajar no tempo e estar lá para fazer alguma
coisa para ajudar.
Mas
é nos momentos felizes que eu procuro me concentrar. Na alegria dos dois e no
quanto sou afortunada por ter um pai e uma mãe tão amorosos, tão entregues ao
amor pelas filhas e filhos. Esse amor é uma luz acesa dentro de mim a me
iluminar, a me impulsionar para que eu me mantenha firme e que siga adiante.
Foi por esse amor que nasci, é dele que fui nutrida. E é ele que sempre
norteará meus caminhos.
Feliz Dia dos Pais a todos os pais que, de verdade, se fazem presentes e essenciais na vida de seus filhos.
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