De
repente, eu estava ali, estático, incapaz de reverter a situação na qual me
encontrava. O sofá, que por ora me acolhia, mostrava-se bastante confortável.
Tentei compreender a posição do meu corpo sobre
ele, mas não consegui. Uma força estranha e desconhecida arrastava-me a uma
área interna e profunda que me desconectava, vez ou outra, da realidade. Com
esforço, respirei lentamente e tentei ter consciência do acontecido. Tive um
leve apagão, pensei. Um desses em que a mente continua acessando o interruptor
da realidade, embora o corpo estivesse num caos emocional, abatido. Por fim,
entreguei-me por completo... Sentia a paralisação total de partes do meu corpo,
como tronco, pernas, braços, mãos, dedos... Fiquei um tempo absorto em meio ao
que parecia ser um pesadelo. Minha mente não contribuía para que o quadro
pudesse ser revertido. Uma sucessão de imagens brotava na minha memória...
Situações vividas recentemente, outras longínquas, fisionomias de pessoas,
alguns objetos, paisagens... Certo cansaço mental apoderou-se de mim. Sem
resistência, abandonei-me ao abismo e à própria sorte...
De
súbito, uma voz suave soou pelo ambiente onde eu estava. Com grande esforço,
tentei recobrar a consciência. Fracassei. Minha mente divagava, inconscientemente
e, naquele instante, ditava regras ao nosso próprio corpo, minha propriedade,
sua morada.
A
voz aveludada ressoou novamente. Dessa vez, eu compreendi as palavras. Alguém
me perguntava se estava tudo bem comigo. Ao entender aquela mensagem, tive uma
vontade imensa de dizer que não. Não estava tudo bem. Mas não consegui
pronunciar uma só palavra. Juntei um pouquinho de lucidez que ainda resistia em
mim e, num esforço assombroso, ousei abrir os olhos minimamente, quando me
deparei com uma imagem surreal. Privado de minhas feições, não pude expressar
no rosto ou pela voz dois sentimentos: surpresa e perplexidade. A voz repetiu a
pergunta. Refiz-me emocionalmente. Tentei demonstrar um pedido de socorro, mas
estava inerte demais para essa tarefa. A solução foi tentar mover um lado da
boca, buscando desenhar um sinal de mal-estar. Nada. A pequena abertura nos
meus olhos desanuviou minha visão. Olhei fixamente, com os olhos semiabertos,
quase por uma fenda entre as pálpebras, para ter certeza do que via. Como era
possível!? A voz aveludada fez outra pergunta. Dessa vez, não se referiu ao meu
estado de saúde mental ou físico. Perguntou se poderia se sentar no estofado,
onde meu corpo estava. Insisti com o movimento dos lábios numa tentativa de
resposta... Nada. Fitei um ponto qualquer da sala, tentando passar uma
mensagem. Nem sei se fui realmente compreendido. O fato é que, diante dos meus
olhos semiabertos, a imagem de São José, esculpida em cerâmica e queimada a
novecentos graus, se movimentava diante de mim. Pensei ser uma miragem,
obviamente. O santo mais silencioso da igreja católica tentava estabelecer um
diálogo comigo. Inacreditável. Ignorei a aparição e refleti, brevemente, se
sentia saudade da ceramista Eloísa Xavier, autora da bela escultura. Eloísa
havia feito a peça exclusivamente para mim, tempos atrás, quando eu fechei um
ciclo de trabalho do qual ela fazia parte. E me presenteou, dizendo que São
José era um carpinteiro de almas e que eu, sendo um carpinteiro das palavras,
usasse a literatura para apaziguar conflitos causados pelas mazelas humanas.
Inexplicavelmente, a escultura agigantou-se. A seu modo, tornou-se viva e
conversava comigo. Como podia aquilo? Certamente, eu estava num sono profundo.
A qualquer momento, acordaria. Depois de me debater com braços e pernas, de
retorcer o corpo para me despertar, acordaria. Num dado momento, os braços da
escultura se moveram. Suas vestimentas balançaram-se de tal jeito que uma
camada de poeira de terra de formigueiro se espalhou pelo ambiente. O inesperado
surpreendeu até mesmo São José, que riu serenamente diante da artimanha da
matéria da qual era feito. Uma de suas mãos veio em direção ao meu peito.
Quando ele a encostou em mim, senti o coração acelerado. Tive receio do que
poderia advir de uma taquicardia. Mas São José moveu seus lábios, sorrindo
levemente, acalmando-me. O movimento de sua boca jogou mais poeira pelo ar. A
poeira provocou-me tosse, e não consegui controlar o regozijo do corpo. Por
fim, o santo me disse, em tom de cochicho, como numa confissão, que tudo
ficaria bem. Era apenas uma questão de tempo. Depois se levantou bruscamente.
Sua atitude inesperada deixou o ambiente ainda mais empoeirado. O ar ficou
rarefeito. Suas vestes se moveram de um
jeito que as sobras de modelagem na peça, deixadas pela artista quando ela a
esculpiu, caíram pelo chão. O piso da sala ficou tal qual deve ficar o ateliê
da artista, coberto por fragmentos de argila, por sobras retiradas das
esculturas religiosas que ela modela com maestria.
...Continua.