Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
Na semana das crianças, ouvir esta melodia fez-me recordar: eu tinha entre cinco e sete anos e não estava ainda na escola!
Eu cantava esta canção o dia inteirinho, todo dia!
Mamãe costurava e, para a minha cantoria não atrapalhar a sua concentração na hora de cortar as costuras, ela colocava o pano sobre a mesa, por cima dele, a medida, fazia o nome do Pai e me dizia:
- Minha filha, está muito bonito! Agora, preciso me concentrar! Vá cantar no quintal para alegrar os passarinhos!
E eu ia toda contente cantar para eles!
Ficava maravilhada com o cheiro e o formato das pequenas flores brancas e com a algazarra deles brincando nas árvores!
Antes que os minúsculos frutos sucedessem à floração, o vento brincalhão tecia um tapete floral, muito branco, no chão.
Eu tinha pena da árvore e conversava com o vento para não agitar tanto os galhos...
Eu pegava aquelas flores caídas e ficava sentindo a textura delas em minha pele.
Era mágico ver aquele projeto verde de fruta surgindo no meio das pequeninas pétalas alvas...
E o cheiro! Ah! Que cheiro! Meu Deus!
Nosso quintal parecia uma fábrica de perfumes, de cores de músicas e de alegria...
E assim, quanto mais os pássaros cantavam, mais eu soltava a minha voz!
Até então, com o coro deles, meu sonho era ser cantora! Eu era uma criança com alma de passarinho!
E eu cantava, cantava e cantava… Diante daquele cenário, a emoção não cabia em meu peito: ficava imaginando como Deus era um grande artista!
Ficava horas e horas absorta em meus pensamentos:
_ Que magia era aquela que transformava a semente em árvore, a árvore em flores, as flores em frutos, os frutos em semente?
E que atraía não somente os pássaros?
Por vezes, as abelhas extasiadas com tanto néctar, cismavam de brincar de esconde-esconde nos cachos dos meus cabelos…
No outro dia, lá estávamos nós!
O céu era límpido, de um azul brilhante e de nuvens desenhistas…
Por vezes, minha mente se ocupava também em imaginar para onde iriam todas aquelas nuvens…
E assim, as horas passavam como num piscar de olhos!
Cantava ainda para as visitas que iam lá em casa e para todo mundo!
Até que, um dia, apareceu uma visitante a qual me disse que eu não servia para ser cantora porque tinha a boca pequena…
Fiquei um bom tempo pensando sobre o que ela me disse e, desde então, a minha alegria passou a ser a escola, melhor, as letras!
Aprendi a ler tudo! Mergulhei no mundo da leitura e da escrita.
As horas de cantoria foram substituídas por manhãs e tardes em sala de aulas, estudos, deveres…
Meus amigos pássaros?
Não sei se morreram todos ou se foram cantar em outra freguesia..
Por onde andarão?
As laranjeiras?
Nossas árvores perfumadas cederam lugar ao concreto: mais filhos, maior a cozinha…
As horas? Deram cartaz aos anos!
Hoje, lendo aqui, na rede da varanda de minha casa, ao ouvir esta antiga canção, ela fez meus olhos mirarem a minha infância guarnecida de flores, de pássaros, de melodia, de pureza e de harmonia!
O tempo passou! E como passou!
A criança-pássaro daquela época virou pessoa adulta: foi alfaBETIZADA!