Déa Miranda
Cadeira n.º 11
O
dia amanhece lentamente. Assim é o despertar dos dias chuvosos. É um feriado e
tudo parece parado. Só os bichinhos sentem o amanhecer, pois estão procurando
alimento e vêm até a área.
Do
lugar estratégico em que eu me encontro, assentada à mesa, eu os vejo. Chegam
felizes, pois sabem que já coloquei o alimento que estão habituados.
As rolinhas chegam primeiro. Parece que
há um trato secreto entre os pássaros. Logo depois, os pardais tomam conta do
lugar. O casal de canarinho saltita por perto e, logo depois, se aproxima. Tiziu
é aceito na mesa deles. A cachorrinha nem quis latir essa noite, está quieta
espiando os bichinhos da porta de sua casinha. Mostra apenas que está feliz lá
dentro.
O
calango está esticado, esperando que um raio de sol surja e o aqueça. Ele já
não se espanta com a minha presença. Fica quieto com os olhos fixos em mim.
Jogo miolo de pão, mas ele espera eu me afastar para vir comê-los. Talvez
pareça estranho falar do calango como se fosse um animal de estimação, mas eu
vejo todo ser vivo e, aqui incluo as plantas, como criaturas criadas por Deus e
respeito todas as formas de vida. Respeito e amo com dedicação. Se não vejo o
calango sair debaixo do zinco, eu me preocupo em saber se houve alguma coisa
com ele. Minha netinha me acompanha nessas coisas. Falo com ela que a casinha
do calango é a telha de zinco. Não sei se ela entende. Mas interage comigo com
grande interesse. Quando vê os farelos de bolo, os miolos de pão, ela me diz, com
a expressividade das crianças que ainda não falam, que precisamos levar para os
bichinhos.
Gosto
muito desses seres que habitam o meu quintal e dos que me visitam diariamente.
Sei que o interesse deles é o alimento que eu os dou. Que importância tem isso
se o meu interesse é vê-los felizes por perto?
O
silêncio absoluto dessas manhãs de feriado chuvoso convida a uma introspecção.
Começo a entrar no clima e me coloco diante do computador.
Às
vezes acho que sou um pouco estranha... Minha filha sempre diz que nós não
habitamos este mundo. Fico rindo dela e digo:
—
Como não habitamos, se estamos aqui?
Ela
diz com ar de cumplicidade:
—
A senhora sabe o que estou querendo dizer!
Sei
mesmo! Talvez seja a originalidade da nossa forma de agir e enxergar as coisas
que nos tornam assim, meio flutuantes no mundo.
Minha
netinha escuta a conversa e aponta para o seu próprio peito. Eu digo:
—
Você vai ser assim também?
E
parece que ela entende porque resmunga de um jeito que interpreto que seja um
sim e mostra as formigas. Abaixa-se ao chão para vê-las de perto. Aponta para
outra que está carregando alguma coisa. Eu falo:
—
Ela está levando comidinha para os filhinhos.
Ela
faz um gesto com a mão, como se levasse alimento à boca. Fico rindo e digo:
—
É isso mesmo, os filhinhos dela vão papar tudo!
E
o feriado chuvoso vai passando cheio de pinguinhos de chuva, caindo devagarinho
neste mundo quase escondido, mas que respira junto de mim...