Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
Ele se aproximou, timidamente, da
mesa.
A estudante de Direito
estendeu-lhe a mão.
_Bom dia! Eu sou Maria. Qual o nome do Senhor? Em que
posso ajudá-lo?
O senhor já idoso, magro, roupas
zurradas e poídas, tirou o chapéu para
responder ao cumprimento.
_Eu sou o Zé!Trabaio na roça e vim aqui procê arrumá a
minha posentadoria.
Falava, enquanto comprimia o
chapéu no peito.
Maria olhou a pele dele queimada
e maltratada pelo sol, enquanto apertava as suas mãos calejadas.
_Certo, Sr José. Preciso de alguns documentos e de
fazer-lhe algumas perguntas, tudo bem?
_Num tenho dicumento não sinhora. Nunca assinaron a
minha cartera de trabaio, não. Sô sei iscrivinhá o meu nome prá votá. Eu num
sei fazê lei não! Es que faz lei e num sabe prantar nem um pé de cove prá cumê,
num sabi tumem quantos bagos tem uma ispiga de mio, nem quantos grãos tem na
cova de fijão querem mexer na nossa posentadoria? Esse povo tem muita letra e
poco conhecimento da vida, num é memo? Eu, mia fia, num tenho letra não
mais tenho o maió orguio de dizê: na
roça, nasci, cresci, vivi, casei, tive fios… mais, o tal dicumento, que
iscrivinharon na tar de lei, num tenho não, sinhora. Pode pringuntá prá quarquer
um lá na roça: já trabaei p quase todo mundi lá. Já fui no INS: falaron que num
tenho direito por farta de um tar de
indício de prova materiar! Eu trabaiei e
trabaio de sor a sor: desde que intendu por gente, ajudava o pai na roça.
Cresci, casei e trabaio prá sustentá a famia. Já fiz cerca, apartei vaca,
busquei boi no pasto, cortei lenha, cuí ovo, tirei leite, prantei mio, arrois,
fijão, batata, cuidei da roça e num tive tempo de ir prá iscola, nem prá curti doença e dor não, senão as prantas,
as criação, a famia e eu morria… Eu e
mia muié tivemo muitos fios… O iscrivão num inscrivinhó nem a minha profissão,
nem a da minha muié nas certidão de nascimento dos nosso fios não.
Quem sabe
iscrevé e divia iscrivinhá, num iscrivinhó e agora, mia fia, na hora de
posentá, quem paga o pato sou eu? Já vivi e trabaiei muito: vinci a seca, a inundação e já estou
desceno o morro! Agora, num tó dano conta mais não, sá! Por isso vim aqui mode
ocê mim ajudá.
A estudante de direito, a ouvir a
estória de vida, olhava o não dito, mas escrito, naquelas rugas que
acrescentavam mais anos àquele rosto, os calos montanhosos daquelas mãos, a
boca quase toda desdentada, a pele fustigada anos a fio pelo sol… Ela não tinha
dúvida de que, em busca do merecido descanso, cansado, sem estudos, quase no fim da vida, começaria ali, na busca
da aposentadoria rural, a mais extensa via crucis do Senhor José!