Fátima Peres
Cadeira n.°15
O sol intenso no cimento grosso provocava o estalar
das favas que caiam do flamboyant. Dentro de casa, o jeito era se esparramar no
sofá sob o ventilador de teto e ficar ali, sem mover um dedo sequer para que o
sangue circulasse lentamente pelas veias. Ao contrário, as horas, insistentes,
tiquetaqueavam sem parar prenunciando a chegada das visitas de além Norte. –
Ai, que preguiça, choramingava Altina olhando para o jovem Daniel, que também
se desfalecia do outro lado da poltrona. O rapaz que morava há um ano na casa
de Altina era americano. Seus pais e a irmã, aproveitando para fugir das
nevascas que ocorriam sempre no interior de Nova Iorque naquela época, vinham
visitá-lo no Brasil. Coitados, pensava Altina. Estavam em busca de um pouco de
calor, mas mal sabiam que a temperatura, por aqui, era capaz de gerar tamanha
indolência.
Pela foto que Daniel mantinha em um porta-retrato no seu
quarto, desconfiava-se que, pelos traços familiares, a origem era irlandesa. A
pequena Kate, única irmã de Dan, era uma criança de seus sete anos, com cabelos
tão loiros quanto os fios da espiga de milho verde. Suas bochechas extremamente
rosadas sugeriam o que o inverno era capaz de fazer em peles delicadas. E os
seus olhos, mais azuis impossíveis, comparados somente à cor do céu do Brasil
naquela tarde. Mas, para Sir York S, nem o calor, nem a preguiça tinham a menor
importância. Como um bom inglês, altivo e de estirpe, a chegada das visitas era
motivo de grande alegria e estímulo. Com casaco preto sobre seus pelos
dourados, Sir York S receberia a família como manda a etiqueta. Sempre
acostumado
a
visitas importantes, sabia se comportar como um gentleman.
Três horas da tarde. O relógio, de origem europeia,
tocava lentas badaladas quando, da cozinha, o estridente som do interfone
interrompeu toda aquela modorra. Chegaram, balbuciou Dan. Num instante se
colocaram de pé e chamaram o restante dos membros da família que se encontrava
nos quartos e foram logo se posicionar para receber os pais e a irmã do jovem americano.
Claro, Sir York S encabeçava a fila pretendendo-se como hostess. E,
entre todos, o único excitado com o grande momento. Abraços, sorrisos, malas de
um lado para o outro, presentes e comentários sem fim sobre a longa viagem até
o Sul tomou conta das conversas.
A garota, visivelmente cansada, foi logo se acomodando
no sofá. Com um sorriso largo recheado de metais e gominhas coloridas,
vermelhas e laranjas, como quem se desmancha nas nuvens do paraíso, percebeu
que alguém a olhava fixamente. Era Sir York S, encantado com a luminosidade que
saía do rosto da pequena Kate, em sua direção. Os olhares se cruzaram e num
piscar de olhos, não mais do que um milésimo de segundo, Sir York S estava
sobre o colo da menina, abanando o rabinho cotó. Deu uma boa lambida de
boas-vindas naqueles metais e, rapidamente, sem olhar para trás foi em busca de
novas aventuras balançando seus pelos dourados como um bom cãozinho.