segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

MEMÓRIAS DE SIR YORK S

Fátima Peres

Cadeira n.°15

O sol intenso no cimento grosso provocava o estalar das favas que caiam do flamboyant. Dentro de casa, o jeito era se esparramar no sofá sob o ventilador de teto e ficar ali, sem mover um dedo sequer para que o sangue circulasse lentamente pelas veias. Ao contrário, as horas, insistentes, tiquetaqueavam sem parar prenunciando a chegada das visitas de além Norte. – Ai, que preguiça, choramingava Altina olhando para o jovem Daniel, que também se desfalecia do outro lado da poltrona. O rapaz que morava há um ano na casa de Altina era americano. Seus pais e a irmã, aproveitando para fugir das nevascas que ocorriam sempre no interior de Nova Iorque naquela época, vinham visitá-lo no Brasil. Coitados, pensava Altina. Estavam em busca de um pouco de calor, mas mal sabiam que a temperatura, por aqui, era capaz de gerar tamanha indolência.

Pela foto que Daniel mantinha em um porta-retrato no seu quarto, desconfiava-se que, pelos traços familiares, a origem era irlandesa. A pequena Kate, única irmã de Dan, era uma criança de seus sete anos, com cabelos tão loiros quanto os fios da espiga de milho verde. Suas bochechas extremamente rosadas sugeriam o que o inverno era capaz de fazer em peles delicadas. E os seus olhos, mais azuis impossíveis, comparados somente à cor do céu do Brasil naquela tarde. Mas, para Sir York S, nem o calor, nem a preguiça tinham a menor importância. Como um bom inglês, altivo e de estirpe, a chegada das visitas era motivo de grande alegria e estímulo. Com casaco preto sobre seus pelos dourados, Sir York S receberia a família como manda a etiqueta. Sempre acostumado
a visitas importantes, sabia se comportar como um gentleman. 

Três horas da tarde. O relógio, de origem europeia, tocava lentas badaladas quando, da cozinha, o estridente som do interfone interrompeu toda aquela modorra. Chegaram, balbuciou Dan. Num instante se colocaram de pé e chamaram o restante dos membros da família que se encontrava nos quartos e foram logo se posicionar para receber os pais e a irmã do jovem americano. Claro, Sir York S encabeçava a fila pretendendo-se como hostess. E, entre todos, o único excitado com o grande momento. Abraços, sorrisos, malas de um lado para o outro, presentes e comentários sem fim sobre a longa viagem até o Sul tomou conta das conversas.

A garota, visivelmente cansada, foi logo se acomodando no sofá. Com um sorriso largo recheado de metais e gominhas coloridas, vermelhas e laranjas, como quem se desmancha nas nuvens do paraíso, percebeu que alguém a olhava fixamente. Era Sir York S, encantado com a luminosidade que saía do rosto da pequena Kate, em sua direção. Os olhares se cruzaram e num piscar de olhos, não mais do que um milésimo de segundo, Sir York S estava sobre o colo da menina, abanando o rabinho cotó. Deu uma boa lambida de boas-vindas naqueles metais e, rapidamente, sem olhar para trás foi em busca de novas aventuras balançando seus pelos dourados como um bom cãozinho.

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