Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
Ao revisar os meus arquivos literários, tive
a grata alegria de encontrar esta reflexão, escrita há duas décadas (pouco depois
do FGTS tornar-se facultativo para os domésticos).
“CIDADANIA E JUSTIÇA” - EM UMA
RELEITURA DE nossas histórias infantis
Em "Leituras", Pontes de
Miranda assim dizia “A Natureza, como os livros, deixa aos leitores a mais
plena liberdade de interpretação. Pouco lhe importa que tresleiam, ou que deem
às suas paisagens um sentido além do que elas significam. E assim se tornaram
possíveis os sentimentos, as ideologias” [1].
Construímos um
repositório de ideias ao decorrer dos anos.
Algumas acreditamos serem corretas outras... Nós, enquanto operadores jurídicos,
estudantes do Direito, percebemos que muitos conceitos de Bem, Mal, Justo,
Injusto etc. já se apresentam nos contos infantis. Será fantasia? Os contos
apenas divertem ou formam consciência? Vamos construindo pontes!
Minha proposta é
apresentar um olhar expedito sobre algumas destas histórias, das quais muitas vezes,
a vida imita a arte! E dessa forma, assim vamos edificando ideias e ideais!
a) Quem
não se lembra do sapatinho de cristal, perdido em uma escada, numa grande
festa, enquanto soavam as 12 badaladas da meia-noite? Aquele sapato encontrado
por um príncipe, percorreu todos os pés femininos do reino. Alguns pés
desavisados, tentaram se acomodar ali. Não ficaram confortáveis. Não couberam
Direito.
Mas o que é Direito? No
caso do sapato, ele só ficaria confortável se estivesse em conformidade com o
pé certo! Mas, só caberia em um e apenas um pé! Justamente!
Aí está o conceito de Justiça. O que é Justiça? Aquilo que é exato, certo, perfeito! Decorre então que o Direito deve estar em
conformidade com a Justiça.
b) E aquel’outra com casa de
chocolates, biscoitos, balas, comidas? E crianças enjauladas?
Não estaria aí o
conceito de obter? E o que é obter? OB = OBRA. Ter. Pressupõe trabalho.
Trabalhar para ter! O quê? Comida! Casa! Você cotidianamente preso ao trabalho
para... quê?
c) A madrasta que trata de
forma diferenciada suas filhas. Direito de Família ou Direito do Trabalho? A
enteada trabalha, trabalha. Sendo todas filhas, para que o tratamento
diferenciado? Trabalho doméstico. Relação de grande confiança. Agora o FGTS
passou a ser opcional. O ordenamento
jurídico permite ofertar menos direitos a quem você mais confia ou pelo menos
entrega a sua casa, os seus bens e até mesmo os seus filhos (que você acredita
amar tanto!)! Que “amor” é esse? Esta é
a nossa sociedade! Este é o nosso... Direito?!
d) E o cisne que um dia “fora”
um pato? Não estaria aí a questão dos grupos sociais, da isonomia, de saber
respeitar as diferenças? A Harmonia não estaria no conjunto de todas as formas,
onde os diferentes se compõem? E os iguais se auto compõem? Dissídio
Individual? Categoria? Sindicato?
Dissídio Coletivo? Tudo refletido no lago social?
Os tempos são outros! Falo de velhas histórias! São histórias do
passado.
E hoje?
Acabamos de vivenciar aquela tradicional e que, repetidamente, todos os
anos, reforçamos.
e) É o nosso bom velhinho que
aparece todos os fins de ano vestido de vermelho! Dizem que no princípio era
São Nicolau. Depois, uma grande empresa, quis associar a imagem de seu produto
a este bom doador! Passamos a ter um São Nicolau de manto vermelho colorindo a
festa da “Natividade”, regada a ...
“Assim as empresas multinacionais reforçam
o Estado da matriz” (...) Celso D. De Albuquerque Mello, na mesma obra diz:
“Octávio Ianni (A Sociedade Global, 1992) observa que com a ‘globalização do
capitalismo’ através das empresas está ocorrendo na sociedade internacional em
que há uma perda da importância do território e, em consequência, da noção de
fronteira. Acresce ainda que tem sido observado que a sociedade internacional
atravessa uma fase de globalização de sua economia que é realizada por atores
não estatais (empresas transnacionais) e, por outro lado, tem havido uma forte
tendência à regionalização cujo ator é o Estado”. [2]
Qual a cor do Natal para você? Se não tiver
vermelho não é Natal? Com certeza na sua
mesa também tem Peru! Adivinhar a marca?
Hum!...
Não fique triste. È só uma questão de Direito
Comercial e até Internacional. De Consumidor, talvez!
f) Aquele gigante que tem a sua
galinha subtraída enquanto dormia! Subtrair coisa alheia móvel para si ou para
outrem. Está escrito! E aqui hoje não se
premia. É conduta punível!
g) O espelho que fala! E
compara! Vaidades! Aquela que sempre lhe faz perguntas prepara a maçã
envenenada que quase mata a nossa doce heroína!... A intriga, a inveja infundada,
a língua não refreada... Não estaria aí o motivo torpe, fútil, o “homicídio”
premeditado?
Que sociedade queremos construir? Que tipo de
cidadania? Depois, queremos punir os adultos! Antigamente, ao final, via-se a
“moral da história!” (resquício da forma ditatorial?) Temos inúmeras! Quantas
realmente falam de Verdade, Igualdade, Justiça, Liberdade e Paz no sentido
lato dessas palavras? Quantas não embutem a violência?
Às vezes, ouvimos sempre a mesmíssima versão.
Quem conhece “O Diário do Lobo – A verdadeira História dos Três
Porquinhos?” Hora do contraditório e da
ampla defesa!
A criança está atenta: ora vendo os “desenhos
animados”, ora os joguinhos do computador!
Jogos! Uma das melhores formas para o
aprendizado! Repetidas vezes!
Rachel de Queiroz, com grande perspicácia
observa: “E hoje, esses seriados japoneses da TV? As crianças os acompanham
avidamente e eles são terríveis. Não só pelos monstros apavorantes, como pelas
crudelíssimas proezas dos mocinhos, que usam mil maneiras de matar (...) E
as crianças ficam vendo sem piscar o olho, algumas até torcem pelos vilões todo-poderosos.
No fundo, elas acreditam que na realidade ninguém morre; tudo e todos são
recuperáveis, nunca as vi chorar um herói, uma heroína mortos. E depois, há
ainda o hábito. A presença constante de cenários aterrorizantes nos jornais e
na TV embota as emoções até nos adultos, que sabemos de experiência
própria quanto a vida e mundo são realmente cruéis” (grifei). [3]
Como já foi dito: “existirmos, a que será que se
destina?” Que queremos ver no futuro? E as nossas crianças? Com todo
nosso cabedal de conhecimentos, o que mudou? Ou “ainda somos os mesmos e
vivemos como os nossos Pais?” Nossa responsabilidade ao deixarmos as nossas
crianças à mercê de livros, revistas, filmes, fitas é enorme. Às vezes, o que
impera nos desenhos é “olho por olho, dente por dente!” Doutra face, muitas
daquelas velhas histórias exercem um fascínio muito grande sobre as pessoas.
São histórias eternas. Por quê? É possível fazer “n” análises...
Exupéry conta-nos a história de um príncipe que cuida de uma flor
(e descobre outras tantas tão importantes quanto aquela!). Não seria esta a
melhor definição de cidadão? Alguém com uma consciência universal? Cidadão do
Mundo? Não está na hora de começarmos a construir a nossa
cidadania a partir da infância? De repensarmos não só o nosso modelo social,
jurídico, mas também as nossas “mais belas histórias”? Tal qual o Direito,
evoluir: sair do individual para o difuso! Unir o agradável ao
útil?
Lembre-se: Justiça é igual à história do sapato. É exata. Nem
mais, nem menos. Se permitirmos que a violência chegue às nossas crianças
_ muitas vezes ainda mal falam_ que Sociedade iremos
construir? Afinal, a nossa “Justiça” espelha exatamente as ideias
que propagamos e nutrimos! Estamos realmente cuidando? Quais são as suas
opções? Dentro da sua casa, no seu doce lar: a que tipo de programa de TV seus
filhos assistem? E os jogos_ fomentam quais sentimentos? Que tipo de leitura
eles fazem? Dos textos? Da vida? Ou apenas: “Pouco lhe importa que
tresleiam, ou que deem às suas paisagens um sentido além do que elas
significam?” (Pontes, em "Leituras”) ... construa!