Há muitos e muitos
anos, no século passado, entre a primeira e a segunda grande guerra, num
povoado próximo ao arraial do Patafufo, vivia uma linda menina: ela era loira,
magra e criativa. Seus cabelos eram lisos, até a altura dos ombros. Seu nome
era Geralda e seu apelido era Bornata (antigamente, as pessoas tomavam remédio
por conta própria. Havia muita mortalidade e poucos médicos!).
Geralda, ao se sentir doente, logo
pedia para a mãe o famoso bicarbonato: daí o apelido.
A vida, naquele local, era árdua.
Todos comiam com o suor do próprio rosto. Era preciso, a exemplo de seus pais,
trabalhar a terra para fazê-la produzir.
Conforme todo o mundo sabe, as casas
das roças eram, extremamente, simples: chão de terra batida, telhado com telhas
curvas, janelas de madeira e um quintalão varridinho, varridinho...
Naquela época, não havia computador,
nem videogame, nem televisão, nem carro, nem médicos... Nada do que temos hoje...
Nem luz elétrica!
Somente nas cidades havia carros.
Rádio? Só à válvula!
Na hora de brincar, Bornata reunia
suas amigas: Rita, Lúcia, Lucinha e Alice.
Brinquedos? Pedrinhas, retalhos,
restos de cuia, cabaça, cacos de telha... Fabricavam, com as palhas de milho,
suas próprias petecas e bonecas; as panelinhas, eram objetos feitos de barro
trazidos da beira do riacho, que a imaginação traduzia por panela; dobravam as
folhas das piteiras para construírem suas casas: brincavam de comadre e, as
ricas, ficavam no andar de cima e, as outras, no térreo. Bornata, naquela
esbelteza, era sempre convidada a ficar no andar de cima; assim, elas passavam
horas e horas brincando...
Um dia, seu Pai trouxe da cidade
grande uma boneca para Bornata. Era uma boneca de verdade! Todas as suas amigas
se encantaram: até parecia gente! Ela era feita de papelão. Batizaram-na de
Mariana. Brincaram! Brincaram! Brincaram! Os dias foram passando... Como era de
se esperar, Mariana ficou sujinha, sujinha, sujinha... Todas as meninas queriam
vê-la “tinindo em folha”! Tiveram a brilhante ideia de encher uma bacia bem
grande de água e mergulhar Mariana, para lhe dar um bom banho! Para surpresa
delas... A boneca se desmanchou na água! Que tristeza! E agora? Bornata chorou!
Chorou! Chorou! Rita, Lúcia, Lucinha e Alice também!
A
mãe de Bornata achou muito engraçado, pois onde já se viu lavar boneca de
papel? Não fiquem tristes! Pouca coisa é eterna! Vamos fazer bonecas de pano?
Bornata
e suas amigas, ainda chorosas, pegam agulha, tesoura, linha, retalhos de tecido
e sonham... Sonham com a boneca Mariana... Ponto a ponto... Vão juntando os
restos de retalhos. Pintam daqui. Bordam dali. Costuram acolá... A boca bordada
de vermelho, os olhinhos de preto. O cabelo? Era o próprio “cabelo do milho”.
Aos poucos, aquele emaranhado de coisas vai ganhando forma.
De
repente... Surgiu uma nova bonequinha! Foi uma grande alegria! Mariana, agora,
está guardada na lembrança... Ganhou vida eterna! Será sempre a bonequinha de
papel.
Assim,
brincando, Bornata nem imaginava que ela e suas amigas se tornariam, em um
futuro não muito distante, costureiras “de mão cheia! ”: sobreviveriam à outra
guerra, à fome, ao século!
E
transpondo o tempo...
Na
simplicidade, no anonimato de ser Mãe-Mulher, Dona-de-Casa, fazem-nos refletir:
o mais importante não é o que se tem ou que nos falta, ou se o Mundo está ou
não em conflito, mas o que se sente, a maneira como se sente, o que se pensa, a
forma como se pensa e, a partir daí, o que se constrói...
(Em outubro, quando a verdadeira Bornata completa 90 anos!)
_______________________
DEDICATÓRIA: à Mariana Lopes, que um dia, saiu
da cidade grande, chegou em Pará de Minas com sua alegria, suas músicas com
letras trocadas, sua risada marota, suas invencionices! Sentia-se criança com a
gente... E num outro dia qualquer, tal qual a bonequinha de papel de minha
Mamãe, ela se foi para muito além! Diluiu-se no tempo! Restou-nos a doce
lembrança, impregnada de amor e saudades!
_______________________
Imagem: livro elaborado em projeto pedagógico das professoras Carla Cristina de Oliveira Damasceno, Gisele Maria de Sousa e Roberta Silva, do Centro Municipal de Educação Infantil Lúcia Lima de Carvalho, de Itaúna/MG