segunda-feira, 8 de março de 2021

Dias Chuvosos

Déa Miranda
Cadeira n.º 11 

    O dia amanhece lentamente. Assim é o despertar dos dias chuvosos. É um feriado e tudo parece parado. Só os bichinhos sentem o amanhecer, pois estão procurando alimento e vêm até a área.

Do lugar estratégico em que eu me encontro, assentada à mesa, eu os vejo. Chegam felizes, pois sabem que já coloquei o alimento que estão habituados.

         As rolinhas chegam primeiro. Parece que há um trato secreto entre os pássaros. Logo depois, os pardais tomam conta do lugar. O casal de canarinho saltita por perto e, logo depois, se aproxima. Tiziu é aceito na mesa deles. A cachorrinha nem quis latir essa noite, está quieta espiando os bichinhos da porta de sua casinha. Mostra apenas que está feliz lá dentro.

O calango está esticado, esperando que um raio de sol surja e o aqueça. Ele já não se espanta com a minha presença. Fica quieto com os olhos fixos em mim. Jogo miolo de pão, mas ele espera eu me afastar para vir comê-los. Talvez pareça estranho falar do calango como se fosse um animal de estimação, mas eu vejo todo ser vivo e, aqui incluo as plantas, como criaturas criadas por Deus e respeito todas as formas de vida. Respeito e amo com dedicação. Se não vejo o calango sair debaixo do zinco, eu me preocupo em saber se houve alguma coisa com ele. Minha netinha me acompanha nessas coisas. Falo com ela que a casinha do calango é a telha de zinco. Não sei se ela entende. Mas interage comigo com grande interesse. Quando vê os farelos de bolo, os miolos de pão, ela me diz, com a expressividade das crianças que ainda não falam, que precisamos levar para os bichinhos.

Gosto muito desses seres que habitam o meu quintal e dos que me visitam diariamente. Sei que o interesse deles é o alimento que eu os dou. Que importância tem isso se o meu interesse é vê-los felizes por perto?

O silêncio absoluto dessas manhãs de feriado chuvoso convida a uma introspecção. Começo a entrar no clima e me coloco diante do computador.

Às vezes acho que sou um pouco estranha... Minha filha sempre diz que nós não habitamos este mundo. Fico rindo dela e digo:

— Como não habitamos, se estamos aqui?

Ela diz com ar de cumplicidade:

— A senhora sabe o que estou querendo dizer!

Sei mesmo! Talvez seja a originalidade da nossa forma de agir e enxergar as coisas que nos tornam assim, meio flutuantes no mundo.

Minha netinha escuta a conversa e aponta para o seu próprio peito. Eu digo:

— Você vai ser assim também?

E parece que ela entende porque resmunga de um jeito que interpreto que seja um sim e mostra as formigas. Abaixa-se ao chão para vê-las de perto. Aponta para outra que está carregando alguma coisa. Eu falo:

— Ela está levando comidinha para os filhinhos.

Ela faz um gesto com a mão, como se levasse alimento à boca. Fico rindo e digo:

— É isso mesmo, os filhinhos dela vão papar tudo!

E o feriado chuvoso vai passando cheio de pinguinhos de chuva, caindo devagarinho neste mundo quase escondido, mas que respira junto de mim...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários neste blogue são moderados.