quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Descendo do salto


A bela professora universitária entrou na sala de aula como se estivesse na passarela de um desfile de modas em Paris ou Milão. Embora já estivesse com o atestado médico em mãos, assinado por uma prima ginecologista, ela resolvera, de última hora, abandonar o marido e os amigos no refinado restaurante francês Le Bistrot e ir direto para a universidade. Fez isso pelos alunos, que queriam muito a sua presença durante a realização da atividade que ela havia preparado para aquela noite, e que seria aplicada por uma estagiária.

Quando ela entrou na sala, irradiando beleza e simpatia, havia em seus intestinos meia garrafa de um vinho francês da Borgonha e uma porção bem fornida de um maravilhoso Cassoulet, feito especialmente para o grupo com gansos importados da França: um verdadeiro banquete para as bactérias que viviam ali. Elas se fartaram da mistura, liberando, no processo, gases como o metano, o sulfeto de hidrogênio e o dióxido de carbono. Se os ingredientes vinham da França, da Alemanha ou do quintal de um pequeno roceiro do interior de Minas Gerais não interessava à fauna voraz que produzia tais gases. Assim que fossem expelidos, federiam, e quanto mais enxofre houvesse na mistura, mais fedidos seriam.

Enquanto a professora dizia algumas frases decoradas em francês para impressionar os alunos, tentando imitar os sons ouvidos no filme Piaf ou em Coco avant Chanel, uma pequena bolha de gás, contendo uma quantidade considerável de sulfeto de hidrogênio (rico em enxofre), aumentava de tamanho entre as paredes do seu intestino grosso. Ela circulava em torno de um bolo fecal de aspecto uniforme e cor marrom parda, que se movimentava lentamente em direção ao ânus da mulher.

A bolha aumentava de tamanho a cada segundo. Às vezes a professora até sentia o seu movimento, que se não fosse o constante toc toc de seus saltos sobre o piso da sala, poderia ser ouvido até pelo aluno que estivesse mais próximo. E aos poucos outras bolhas foram se juntando à bolha maior, pois no restaurante a professora conversou muito (a maior parte do tempo criticando colegas de trabalho que ela considerava inferiores), e enquanto ria e falava, uma enorme quantidade de ar entrava pela sua boca. O ar não absorvido pelo organismo ou eliminado pelos arrotos discretíssimos que ela soltava foi então acompanhando a refeição intestino adentro.

Enquanto isso, alguns ácaros iniciavam uma pequena reação alérgica nas mucosas nasais da mulher. Um leve corrimento teve início, o que fez com que ela tirasse do bolso um lenço bordado a mão por artesãos indianos, comprado na última viagem que ela havia feito com o marido à Ásia. Levou o lenço ao nariz e, discretamente, limpou um excesso de mucosidade nasal que se acumulava na narina esquerda e que estava prestes a pingar. Uma leve irritação nos olhos e uma coceira em ambas as narinas começavam a incomodá-la.

De repente, uma bolha de ar que se movimentava na parte média do intestino grosso se juntou a uma pequena bolha de dióxido de carbono e sulfeto de hidrogênio (que acompanhava um bolo fecal atrasado), fazendo surgir uma bolha muito maior. Essa bolha forçou a parede do intestino, que pressionava de um lado, enquanto o bolo fecal pressionava do outro, o que fez com que ela se deslocasse rapidamente em direção à outra bolha, a maior e mais fedida de todas, que já se aproximava do ânus da professora. Ao se encontrarem, as duas bolhas formaram uma bolha só, de proporções devastadoras.

Um espirro.

Em pânico, a professora respirou fundo o ar ao seu redor, com medo de que alguma coisa tivesse escapado. Nada. Nenhum cheiro desagradável. Ela tinha que sair dali o mais rápido possível.

Outro espirro, e mais um, e mais outro. A bolha estava quase lá, a mulher podia sentir, e enquanto caminhava lentamente em direção à porta, percebeu uma pressão nas paredes do seu ânus – como um inchaço interno –, que só podia significar uma coisa: uma enorme quantidade de gases já tinha chegado ali e estava pronta para explodir.

Imediatamente a mulher parou. Qualquer movimento podia ser fatal. Um novo espirro seria a tragédia completa. E ali ela ficou, entre duas fileiras de alunos, quase no meio da sala, à espera de um milagre, de uma intervenção divina que fizesse desaparecer todo aquele gás acumulado bem na saída, que ela trancava com todas as forças que sua bem trabalhada musculatura glútea e anal permitia.

Enquanto isso, os ácaros não davam trégua e provocavam mais coceira no nariz da desesperada professora, que já não falava mais, apenas aguardava, em pânico, o que o destino lhe reservava. 

Foi quando veio o espirro, o mais forte de todos, que vibrou a abertura anal com a rapidez de um raio: um único segundo, o tempo de uma pequena piscadela do esfíncter, mas que foi suficiente para que uma parte dos gases acumulados sob pressão escapasse com um enorme estrondo, tão alto, que a tentativa da professora de abafá-lo com o som do espirro foi em vão.

Tragédia.

Todos os alunos escutaram o som e perceberam de imediato de onde ele tinha vindo e do que se tratava. E os que estavam mais próximos da professora sentiram um cheiro tão fedido, que alguns fizeram vômito, e outros chegaram a vomitar no chão, próximo aos pés da desesperada mulher, que não sabia onde enfiar a cara. E antes que ela raciocinasse sobre o que fazer naquela situação, um novo espirro, e um novo estrondo, ainda mais alto e fedido que o primeiro.

O cheiro estava por toda a sala. Alguns alunos pediram licença e se retiraram. Outros foram para a janela. E a professora ficou lá, parada que nem uma estátua, com o pensamento em branco, sentindo o cheiro dos gases produzidos pelas bactérias dos seus intestinos: um cheiro de corpo, de carne, de vida e morte: um cheiro de existir, de ser e estar no mundo, vivendo, comendo e morrendo, como eu, como você... Como qualquer um. 


Flávio Marcus da Silva - Cadeira nº 1

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