Na solidão do meu ateliê, tenho diante de mim um bloco inerte de mármore. Como sempre faço, deixo primeiro que fale comigo. Fico a escutá-lo horas a fio, com paciência, e a admirar sua alva superfície, com veios de cinza que nela desenham com suavidade toda uma história da terra, as recordações pétreas das montanhas e, por que não dizer, das vagarosas mudanças geológicas através das muitas eras de formação. Uma bela rocha como esta, já tem valor por sua mera existência mineral e milenar, uma criatura ancestral que é obra-prima dos tempos. Foi arrancada do seio da terra. Já não é mais a própria pedra, mas matéria bruta deslocada, cortada e aparada, em busca de seu sentido. Agora fico ali, absorto e reverente, a buscar desvendar sua vontade e seu destino. Por vezes me demoro em compreender o que me mostra e o que me esconde, e em adivinhar o que nela está adormecido, mas espero o momento exato de revelação, que é aquele onde os desejos deste bloco, em sua singular beleza, se encontram com os meus. É a hora de uma mágica inspiração mútua, onde transcendemos nossa materialidade. No meu breve transe, esculpi pela imaginação neste mármore os meus sonhos. Estes ganham volume e beleza, em pensamentos leves que vão dando um delicado relevo e contornos de eternidade às nossas almas. Então, é hora de tomar do cinzel e trabalhar a forma libertadora. Conforme se despregam os fragmentos, vai-se liberando a alma aprisionada bem nas entranhas do mármore e uma imagem vai se figurando alegre entre os meus dedos. Este bloco agora está quieto. Deixa-se apenas mostrar, transfigurando-se. Também eu me calo e, determinado, deixo-me fundir em experiência àquela imagem sonhada em comum. Assim, enlevado, entro em novo estado, no qual meu corpo se dilui no ato que executo. Neste novo transe, já não sei mais se estou a esculpir a pedra ou se ela é que está a me moldar. Não me importo. Já estou sonhando nela! A obra, uma vez acabada, é um monumento de mim mesmo, memorial e onírico. Não é uma escultura estática, mas um mapa sem peso algum, capaz de dançar livre no espaço. Para você, não é uma obra silenciosa, mas uma contadora de histórias, que diz de uma alma que se reconverte em matéria e de uma aventura íntima que conecta as mãos à mente, a mente à terra e a terra ao cosmos.
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Imagem: criada por IA generativa
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