quinta-feira, 13 de junho de 2019

Desprezo

Márcio Simeone
Cadeira n.º 8

Ele nunca quis dizer nada que demonstrasse seu total desprezo. Tanto que mostrava em seu silêncio amargo, no seu nada a dizer indiferente, o quanto agora a desprezava.  Ninguém poderia entender, nem ele mesmo, então melhor não gastar as palavras. Já estavam corroídos por elas um tanto... Depois de tempos calados, a sós, também nada pediram a se dizer. Se houvesse algo de importante a sobrepujar a desafeição, haveria de se impor, assim ambos pensavam. Se assim achavam, é porque não eram indiferentes. Esta seria a primeira conclusão a se impor, mas quando? Não se conhece o tempo de cada um, nem Deus sabe exato o ritmo de cada qual. Dos milissegundos às décadas, tudo pode ser. De presença eventual e sorrateira no meio de noites inquietas à constância das visitações em noites vagas, nem se pode precisar quanto tempo escorreu.  A memória apagara as palavras, todas elas, como se escritas com giz. Nada adiantava procurar por elas. Num dia sem graça, em falta de motivos, deu-se o esperado, o encontro de dois silêncios, já sem as amarguras. As palavras, inúteis, não compareceram. Ele não quis dizer nada que demonstrasse seu amor. Tanto que demonstrava, em seu silêncio doce, no seu nada a dizer tão presente, o quanto agora a amava.

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