segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Metanóia - Intervenção Poética: carta a uma estudante de Psicologia

Conceição Cruz
Cadeira n.º 4


Querida Estudante,


Sofri ao ver as notícias nos jornais e perceber a luta interna dentro de você!


Sei que está muito impressionada com todo o quadro de violência social, inclusive, a velada, pois, como me disse, acabou de estudar sobre a importância da família, o papel do Pai e da Mãe, a fase da adolescência e de sua contestação social etc.


Diante do quadro de uma provável e iminente morte, a necessidade de espera dos Bombeiros... a falta de profissionais de saúde em todo o sistema etc.


Não se conforma com as “selfies” feitas pelas pessoas ao lado de quem está, literalmente, agonizante! Diga-se, duplamente, não é mesmo?


Sei que organizou, junto com outras quatro amigas, uma passeata silenciosa na Universidade... (inspirada em Gandhi, em sua resistência passiva?!)


Parabenizo-lhes por terem saído das raias do medo, pela iniciativa, pela capacidade de indignação, de se colocarem no lugar do outro, por vencerem o torpor da inércia, enfim, pela ação! 


(In)felizmente, todos cumpriram seus deveres! E a pessoa adolescente... morreu! 

(Aqui, abre-se um parêntese e pergunta-se: 

- quantos adolescentes, especificamente, negros e negras são, diariamente, sacrificados? 

- A prática da violência do racismo silencioso? 

- Da homofobia?

- Quantas mulheres se “auto-exterminam” cotidianamente?

- O terrorismo no mundo? 

- O que leva uma pessoa jovem a estar na rua, assaltando, ao invés de estar na escola? 

- Estupros em Igrejas e Universidades? Estupros coletivos?

- Será que a Sociedade cumpre o seu papel?

- Será a luta diária pelo pão? 

- A falta de reestruturação do currículo? 

- As drogas? 

 - A ausência da família? 

Repito: o que leva uma pessoa jovem a estar na rua, assaltando, ao invés de estar na escola? 

- Será que a Sociedade cumpriu o seu papel?

- E a polícia: diante da falha eminentemente social, vai carregar o peso na sua vida e em sua alma, pelo estrito cumprimento de um dever! 

Vale lembrar-se das pessoas de bem que são diariamente assaltadas em ponto de ônibus e dependem de transporte e segurança pública para a sobrevivência... 

- E os estudantes? 

- A violência na porta de uma escola? De uma Universidade! 

- A inércia das pessoas à espera dos Bombeiros! As “selfies”! Mais um post! A circulação da imagem nas redes! 

- Paradoxal: ninguém pode tocar o enfermo, mas podem expô-lo globalmente?

- O que leva uma pessoa a tirar fotos ao lado de um agonizante, como se estivesse em uma praia? 

- Por outro lado, em que modelo de sociedade vivemos onde poucos frequentam os cursos de primeiros socorros? 

- Quantas e quais escolas públicas ou particulares oferecem tais ensinamentos?

- É possível resignar-se diante da violência?

- Que ideia é esta: não posso tocar, mas posso fotografar, postar, expor? 

- Que barbárie é esta? 

Enfim, um turbilhão de pensamentos! Melhor, nesse momento, fechar o parêntese, na tentativa de prosseguir...)


Será possível reverter a realidade? Depende de quem? De nós?


Agora que passou a impulsividade, invoquei Jung, que nos dá as primeiras ideias de consciência cósmica e Paulo Freire, na qualidade de educador. 


Tentei adequar o discurso para você, estudante de Psicologia, vez que a minha concepção, na maioria das vezes, recebe ordenação do mundo jurídico: mas, antes de tudo, sou também um ser humano, do sexo feminino: a sensibilidade corre em minhas veias! 


A Psicologia exige empatia, pois é um exercício de altruísmo! Um exercício de amor ao SER HUMANO!


Será que a violência está gravada no inconsciente coletivo?


Será que a Educação perdeu o seu papel transformador?


Pensando nessas e em outras várias questões, o que consigo fazer de melhor hoje é uma intervenção, poética apenas!


Porém, acredite: a poesia é meu lado mais humano, indiferente de minhas concepções, de meus estudos, de meus condicionamentos... o que há, realmente, de mais puro em mim!


É esta pureza que nos aproxima: gerações diferentes, cursos diferentes...


Mas, o que inexoravelmente nos une, é o Amor! 


Afinal: “ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria!”


Em nosso labor diário, sejamos, ao menos, semeadoras de PAZ!


Saiba:  é exatamente isto, o que a violência desconhece! E, na verdade, toda ciência é vã!  A atual sociedade carece de Pureza, de Bondade, de Amor... O mundo pode ser melhor: só depende...


Espero que você, por meio  da reflexão e da ação, possa cumprir o seu verdadeiro papel neste mundo...


Com bastante carinho e o mais puro Amor, faço minhas as suas reflexões, no texto a seguir (Metanóia).


METANÓIA

Conceição Cruz

O policial cumpriu o seu dever.

O bombeiro cumpriu o dever.

A enfermeira cumpriu o dever.

Todos cumpriram seus deveres.


Mas, a adolescência trocou a escola pela violência das ruas...


Ponto de ônibus:

uma arma, em punho, atemoriza, 

(in)distintamente, à luz do dia,

 milhares de adultos, batalhadoras estudantes... 

Agonia! Um tiro traz a morte certeira... 


Catarse: no entorno

 -  violência insidiosa e narcisista –

reproduzida em frenéticas e virulentas “selfies”...


Vida e Morte...

Tudo passa  em corriqueiros “flashes”!


Seu dever, a medicina cumpriu.  

O luto se expressou na vestimenta negra,

na passeata silenciosa pela Universidade, na frustração,

na tentativa de chamamento social à reflexão...

(inspirada em Gandhi:  resistência passiva?!)

A tristeza fermenta no coração de estudantes de Psicologia...

O medo...

Mata!

O Sonho, o Direito, o Amor, as Pessoas...


A sociedade - adolescente (de medo!) -

(des) focada está:

(in)diferentes imagens dão volta ao mundo...

Repetidamente!

Mundo paralisante de imagens...

(O corpo jovem, no chão...)


Negros

 “flashes”...

Repetidas vezes!

(Quantos óbitos de adolescentes ainda serão necessários atestar?)

Será que a Educação perdeu o seu papel transformador?

Bandida(o) tem que morrer!?

Será que, no inconsciente coletivo, a violência furtou toda Paz?

Quando a violência impera, em qualquer lugar que seja...


A Sociedade falhou!

A Educação falhou!

Todos nós falhamos!


A civilização agônica de medo

- esvaiu-se do Respeito e da Ética -

o Homem perdeu a sua capacidade de indignar-se, de intervenção:

tornou-se mero expectador de sua própria indiferença,

vivenciando  - irracionalmente -

a frieza de ser, apenas, verdadeiro cativo

 de suas próprias “selfies”!


Afinal: 

ainda que eu falasse a língua dos homens 

e falasse a língua dos anjos, 

sem amor, 

eu nada seria!”


Na tentativa de instantânea e eterna globalização,

em algum canto da história humana,

perdeu-se o princípio da alteridade...

2 comentários:

  1. Senti nesta sua "Metanóia", um chamado para a reflexão e ação.
    Que suas palavras possam ecoar o que existe dentro delas: amor!!!!!

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