sábado, 9 de junho de 2012

Maria Joaquina

Maria Joaquina é planta rasteira
que se estende no mais raso do chão,
no mais rente da terra que se vê.
Suas raízes não penetram,
não perfuram,
não adentram,
apenas arranham,
traçam,
sulcam em teias a camada de superfície seca
do mais pobre de todos os chãos.
Seu verde duro de espinhos não chega à altura do chifre
de um bezouro de chifres,
ou da antena
de uma barata de jardim.

Mas Maria Joaquina,
na sua essência pequena
de adubo vivo,
resíduo a um instante do instante
de ser ela própria o solo que nutre
– no qual vermes e anelídeos rasgarão em túneis
o pedaço
do pedaço de terra que é ela,
e que de tudo que é terra no mundo
não é nada mais que quase nada,

Maria Joaquina,
– dizia eu –
tem lampejos de ser muito mais do que realmente é.
Tem ilusões de profundezas e alturas
que na sua cegueira se cravam nela como setas
de pontas certas,
erguendo-a a pódios,
tribunas,
ápices,
picos que, na verdade, não saem do rés do chão,
não se alçam um milímetro sequer acima
das penugens eriçadas
de uma taturana preta,
ou da parte média da pata
de um grilo pardo
(dos pequenos).

Se olhar ela tivesse, seria irônico,
de troça e desprezo.
Se contasse,
seriam vantagens
 – seus pronomes preferidos: eu, meu. 
Seus prazeres,
os mais distantes do que ela julgaria serem,
na sua estupidez rasteira,
diversões do vulgo,
da plebe,
mas que no rés do chão onde ela rasteja
não são nada mais que um pouco mais que nada,
um pouco menos que quase nada
talvez
do que um picolé a dois
no parque
ao som de um sertanejo qualquer

– nada mais.

E de repente,
sem avisar,
vem o arado,
que corta,
revolve,
mistura
e iguala
na terra
o que na terra vive e morre.

Maria Joaquina não é mais Maria Joaquina.
Se tivesse dado uma flor –
o que seria como uma mão estendida,
uma palavra de afeto,
um gesto de compaixão –,
teria dela algo ficado
de beleza,
de semente boa.
Mas nada disso ficou –
só um gosto amargo,
que logo será esquecido

– para sempre.

Flávio Marcus da Silva - Cadeira n.º 1

Um comentário:

  1. Que belo poema!
    Mas que coisa. A planta foi logo ter nome de mulher... Que sina!
    Mas era sovina. Não deu nenhuma flor.
    Abraço,
    TT

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