domingo, 19 de julho de 2020

Missiva

Márcio Simeone
Cadeira n.º 8




Querido amigo,

Que esta mensagem o encontre bem e com saúde!

Parece que vejo sua pequena filhinha-flor em sua exploração curiosa, demorada e destemida. Já deve estar a dar seus passinhos para o mundo grande. Enquanto isso estou aqui reduzido a um mundo bem pequeno que com meus passos grandes percorro sem muita demora, embora sempre curioso (e precavido). Nunca fiz trajetos tão pequenos, nem quando engatinhava e cada metro era quase infinito. Mas faço de tudo para romper as bolhas: a doméstica e a de um trabalho feito nas nuvens. Tenho conseguido, porque, afinal, a alma vai aonde o corpo não pode alcançar. Até ao paraíso, se quiser, para uma visita. 

Então, tudo se acumula. Há muita coisa para já e outro tanto ainda maior que é para depois, para quando Deus quiser. Fico com as promessas de resgatar tantos abraços dos quais sou credor e também de pagar a mesma dívida, com juros e juras. Sigo tentando fazer de tantas dúvidas ao menos uma certeza; às vezes até transformo um monte de feiúras em um tiquinho assim de beleza. Já dá para o gasto e para o gosto. Ainda preciso transformar as demoras em possibilidades, o que talvez seja o mesmo que tornar água em vinho. Mas é nisso mesmo que me aplico no passar das horas. 

Se o dia passa bem rápido, lá se vão muitas possibilidades. Assim, acordo cedo. Dizem que é uma tentativa inútil de esticar o dia, mas eu não acho assim. Parece que acordar junto com o céu preguiçoso da manhãzinha desperta em mim alguma ideia boa e me tira do escuro para o claro com calma, silêncio e suavidade - e cheiro de café bem forte. Com o bulício da manhã já alta estarei de novo nas nuvens para ganhar meu pão ou a lidar com as manutenções, conforme mandem as rotinas, vejo quem precisa de mim e o que posso fazer. Mais tarde vejo também o que posso fazer por mim mesmo, para complementar. Não sem preocupações, ansiedades - uns desafios de sempre e outros inéditos. Muitas são as dores, tamanhas as necessidades neste mundo. Às vezes faz mais frio, às vezes bate tristeza, saudades são constantes, tem horas que o calo aperta, mas tem hora que alguém canta. Como diria o poeta, tudo isso é maravilhoso!

Mil abraços a você (e aí vai mais uma promessa!).

5 comentários:

  1. Que carta, amigo, que carta!! Pareceu-me tão familiar! Que eu a pudesse ter escrito ou recebido. O consolo seria o mesmo. Uma coisa que estes tempos nos ensinam é que somos bem parecidos, apesar das evidentes diferenças. Tenho uma correção a fazer: você não transforma "um monte de feiúra em um tiquinho assim de beleza", mas torna um tiquinho qualquer de feiúra num montão assim de beleza. Um grande abraço promessa pra você também.

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  2. Meu amigo querido! Que lindura de missiva que nos acalenta, envolve nossos sentimentos e coração e nos faz refletir sobre esse novo tempo em que somos levados a reaprender a andar. Com certeza, com passos mais cautelosos, ensimesmados, mas não necessariamente menores. Penso que, ao contrário, pois que dá a oportunidade de viajarmos para dentro de nós mesmos e nos tornamos melhores.Apesar do frio, apesar do calo, apesar da tristeza e das saudades. Apesar de tudo, amanhã há de ser outro dia!

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  3. Lindo, Márcio ! Obrigado , por mais este presente de aniversário e de "dia do amigo" . Sua cadeira , na academia, é nº 8 , mas você é 10 de Pelé, Zico , Maradona . Abraços

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  4. Quando leio o que você escreve, assim bem de manhãzinha, acho que tudo ganha cor e realce. E sou capaz de achar graça no copo d´água e rir das coisas mais banais. Amigo é coisa tão boa!!! Aparece sem a gente esperar, e traz um consolo, um alívio, uma esperança. Faz mágica só para deixar a gente mais alegre. Revira memórias, e deixa a alma inquieta, louca para dar
    uma voltinha, sentar de novo na mesa de um bar, e deixar o tempo passar. Grande beijo,amigo!!!

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  5. "A alma vai aonde o corpo não pode alcançar"! Eu me vi sair das Bodas de Caná ao encontro do Buda de mil braços! Mas, em breve, com certeza, o imaginário será real e nossos braços e abraços correrão o mundo! Conceição Cruz

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