quinta-feira, 28 de março de 2019

Alumbramento

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2

Você pode ter passado a vida toda sem se deixar tocar pela beleza das flores, deixando morrer aquela orquídea linda, presente de aniversário, que merecia todos os amores. Você pode não ter cultivado nunca uma única flor. Pode. Pode ter passado a vida sem cor. E pode acontecer de, um dia, querer iniciar um pequeno jardim. E você iniciar um canteiro e,  em pouco tempo, se ver cheio de fascínio por flores. E passar a olhar para outros jardins, a se encantar com jardineiras nas janelas, a ficar sem palavras diante das árvores mais belas. Você se apaixona.

É muito bom se apaixonar. Sempre. Por jardins, por um novo amor, por amigos que você vai fazendo ao longo da vida, por uma música, por um filme inteiro ou por uma de suas cenas, por um espetáculo, por um livro, por um poema, por um novo ser que chega ao mundo, por um esporte, pelo seu trabalho, pelo trabalho de um artista, pela sua casa, por uma ideia altruísta; enfim, por aquilo que te tocar, te fizer bem, que te provocar encantamento. Sem te escravizar. Encantamento talvez seja a palavra que melhor se relacione ao apaixonar. Do encantamento, passamos ao alumbramento, palavra bonita por demais. Alumbramento: o estado de quem se maravilha; ato ou efeito de alumbrar, iluminar; inspiração, arrebatamento, iluminação. Precisa de mais?

Tão bom quanto se apaixonar é se apaixonar de novo! Redescobrir o que estava esquecido, adormecido, escondido. E ver tudo com um novo olhar. Não que isso seja tarefa fácil neste mundo tão cheio de injustiças, desigualdades,  desencantos, crueldades realidades que nos indignam dia a dia. Mas nem por isso devemos nos fechar e dizer que tudo está perdido. Há o amor, a amizade, o afeto, a esperança, o sonho, as loucuras, o desejo, as conquistas, a fé  e as paixões que alimentam nosso espírito. Por isso, o coração deve estar atento e aberto ao encantamento. 

Que a gente se permita uma dose de paixão. Que a gente se permita se apaixonar. E se entregue. Sem amarras. Que estejamos abertos ao outro, ao que pulsa e ao que irá nos dar alento. Pois a vida, com sentimento, é mais fácil de ser vivida.

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