sexta-feira, 26 de julho de 2019

Feliz!


Conceição Cruz
Cadeira n.º 4

Contava minha avó tantas e
tantas estórias…

Dentre elas, a do galo carijó.
Bom mineiro, de sangue,
logo cedo, às 4 h da matina, despertava toda a gente,
cantando vibrante nos outeiros!

Tinha galo de rinha,
ródea, pedrez,
galo gigante, garnizé, até índio...
Dono do terreiro,
tratado era sempre como um rei!

Cantava à noite, a qualquer hora,
sem compromisso, sem relógio..

O pobre do trabalhador,
com seu canto despertava:
ia logo para o serviço!
Só voltava depois
do sumiço do sol!

Assim, homens e galos
viviam bem!

Porém,
quando um familiar adoecia,
ou a visita chegava
ou ao dono aborrecia,
a cozinheira, com certeza,
impunha-lhe a pena capital!
Coisa de dar dó!

Mas, até hoje,
é um animal tão querido,
mas tão querido,
que nem no Natal é esquecido:
em todos os lares,
no presépio, por cima de tudo,
abaixo apenas da estrela
e dos anjos!

Missa do Galo!
É fato!
Ele cantou
no meio da noite...

Na Semana Santa,
na negação de Cristo por
São Pedro, registrou
três vezes o seu canto antes mesmo do alvorecer...

No alto das torres das igrejas,
enamora-se da rosa
dos ventos…
"Homem cantar
de galo" era dito comum.

Não importa estar no Brasil,
Portugal, Belo
Horizonte ou Paris!
De símbolo cristão a marca
de azeite e time de futebol,
está entre os animais
mais consagrados!

Em Santo Domingo de La Calzada,
no caminho de Santiago de
Compostela, erigiu-se a ele
uma estátua de metal:
salvou da morte um inocente,
quando o assado cantou no prato!

Ele é igual amor de vó:
até mesmo ausente,
está, carinhosamente, gravado
no nosso inconsciente!

Tantos e tantos anos se passaram!

Minha avó, há décadas,
virou estrela!
Os seus galos e filósofos também!
Restaram-nos
apenas as doces estórias!

Para nossa alegria,
de repente, mais um galo,
tem seu momento de vã glória!

De assunto nos principais jornais,
à capa de revistas ou
do "The New York Times"
à conversa de botequim...

Muita pessoa envolvida
numa estória que, há alguns anos,
seria bastante trivial!
Leis, tratados, convenções…
Muito trabalho e muito pouco
amor e respeito nas relações!

Mas, toda boa estória
tem o seu esperado
e proveitoso final....

Na França, berço de revoluções,
talvez, a partir de agora,
o seu canto de resistência rural,
seja reconhecido como
patrimônio imaterial!

Calma! Calma! Calma!
Chegou a vez de minha avó
eu imitar! Por focar no galo -
desculpe-me gente -
ser tão "irracional"!

_ Ei! Vocês!
Prestem bastante atenção,
que a estória de hoje,
é a de um galo francês!

Maurice era seu nome!
Às seis e meia da matina,
saudava o novo dia,
com a sua cantoria!

O sol imitando as suas plumas,
jogava baldes e baldes de tintas nas nuvens!

O seu forte ruflar de asas,
parecia um triunfante tambor!

Flup! Flup! Flup!
Trump! Trump! Trump!
Cocoricóóó.
Salve o novo dia!

Levanta menino!
Muito mais cedo,
levantavam seus avós!
Trump! Trump! Trump!
Cocoricóóó.

Com seu canto interiorano,
alegrava toda gente!

Ninguém sabe explicar,
nas voltas e meia
que o mundo dá,
numa ilha distante,
gente da cidade foi
ao seu habitat natural visitar!

Para se comunicar,
pensou logo em cantar.
Era o que fazia de melhor!
Afinal, era ali
um anfitrião!

Nem toda gente é do bem,
nem todo animal é do mal!
Pasmem-se!

Por causa de sua alegria,
ele e sua cuidadora
depararam-se no tribunal!
De pertubação sonora a
tentativa de "caipirizar" a capital?

Confronto entre Direito
e a Justiça?
Haja dano moral?

Cantar cedo demais,
antes das 7 h da manhã?
Isso são modos de tratar o turista?
Diz a acusação!

A plateia, dividida
entre urbana e rural,
acompanhava o
julgamento indefesa!

Ora, ora!
Em pleno século XXI,
na "Cidade Luz" onde quase
ninguém dorme
à noite...

Debaixo das asas
do direito natural, de fria neve
e de gélidas manhãs,
Socorre-lhe a defesa!

(Cá, no meu canto,
fico eu imaginando..)

Após torrenciais e escuras
manhãs de chuva,
o juiz não se dá por convencido.
Quer ver, "in loco",
a prova do fato ocorrido!

No dia seguinte…

Ao cântico do galo,
espantaram-se as trevas,
surgiu a aurora!
A noite cedeu lugar ao dia!
O manto de luz alegre
mandou a tristeza embora.

Viva o rei!
Sol!
Mantra vindo de todo lugar!

Sensacional!

O filósofo disse um dia,
o mundo, decerto, consertaria
quando o homem se concertasse!

Na luta pelo direito,
corações empedernidos!
Ao ver aquele mágico despertar,
o juiz tomou da pena,
para registrar o veredito:
de tanto brigar por direitos,
o homem se esquece de
ser feliz!

Cante! Cante! CANTE!

Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se!

O caipira, outra vez mais,
virou celebridade,
notícia internacional!
Em cada canto da terra,
só se falava disto!

Ser feliz!

Ele encontrou outro e mais outro -
cada qual admirador freguês -
Para, juntos, replicarem o escrito!
A potência de sua voz se elevou, na voz dos outros de igual
e até melhor frequência,
para além dos campos,
das nações...

Agora,
de todos os lados
ouve-se uma única voz…

Feliz … cidades!


***

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