terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Um presente para Gabriel

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2 


Gabriel tanto pediu, tanto insistiu, que a mãe fez uma árvore de Natal. Em lotes vagos da vizinhança do bairro pobre e pouco povoado, juntou galhos secos. Envolveu-os com o algodão, ajeitou os galhos em uma lata com areia. Em vez de bolas coloridas, pendurou no tronco fotografias, desenhos das crianças, estrelas e corações feitos de papel, além de “presentes” com caixas de fósforo vazias. A mãe ainda pegou uma imagem do Menino Jesus, herança da avó, e colocou-a ao lado da árvore.   



As crianças – Gabriel e o irmão menor, Rafael –  acompanhavam tudo com os olhos brilhantes de emoção, ajudando como podiam. Quando a árvore ficou pronta, não cabiam em si de tanto contentamento por ter ali, em casa, uma árvore de Natal com a imagem do Menino Jesus ao lado. Estava tudo lindo! Os dois meninos começaram a  pular e a dançar olhando para a árvore, enquanto a mãe cantarolava uma canção natalina. A avó assistia a tudo, feliz por ver a alegria dos netos.



Gabriel já tinha perguntado para a mãe, mais de uma vez, se naquele ano haveria presentes no Natal. Ela dissera que não, explicando com carinho e pedindo que ele compreendesse. As coisas estavam difíceis. Era uma mãe solo, o pai tinha ido embora pouco depois de Rafael ter nascido e não voltara para dar notícias. O dinheiro mal dava para pagar as despesas, os remédios da avó dos meninos, que morava com eles.



A mãe também ensinara que o sentido do Natal não é ganhar presentes, que o Natal é a comemoração do nascimento de Jesus. Gabriel havia entendido tudo e estava feliz porque prepararia seu coração para receber o Menino. Mas ele também queria ganhar um presente, mesmo que o sentido do Natal não fosse isso. Só tinha sete anos! E, mesmo a mãe tendo avisado que não haveria presentes, ele pedia, do fundo do seu coração, que um milagre acontecesse e que ele e o irmão pudessem ganhar um brinquedo.



Chegou a noite de Natal. A mãe fez uma janta sem luxo, mas saborosa. A família rezou, agradeceu pelo ano que estava terminando, pela alegria de estarem juntos, pelo nascimento de Jesus em seus corações. Depois jantaram, e a avó contou histórias. Por fim, todos se abraçaram e foram dormir. A mãe estava tão cansada que entrou em sono profundo num instante; a avó, que tomava remédios para dormir, em minutos, estava roncando. Mas Gabriel ficou acordado. Sem fazer barulho, se levantou, pegou os pares de sapatos dele e o do irmão e colocou-os atrás da porta. Quem sabe... quem sabe... Depois adormeceu, com o coração cheio de esperança.



Quando amanheceu, Gabriel foi o primeiro a acordar. Levantou e foi correndo para onde tinha deixado os sapatos, atrás da porta. Será que encontraria presentes? Mas, no lugar, só havia os sapatos, do jeito que ele tinha deixado. Nada de presentes... Tentou a guardar os sapatos antes que a mãe e a avó vissem que ele os tinha deixado à porta, mas se deparou com as duas quando se dirigia ao quarto.



Ele ficou tão triste! Até quis, mas não conseguiu disfarçar. Ficou amuado o dia todo. Quase não brincou. Comeu pouco no almoço. Não quis nem tirar o pijama de flanela. A mãe, vendo-o desanimado, sentia o peito apertado. Ela daria até a vida pelo filho, mas não teve condições de lhe dar um presente de Natal... O que pôde fazer foi pegá-lo no colo, fazer-lhe carinho e dizer-lhe palavras doces. A avó também tentou animá-lo, contando histórias divertidas.



Foi então que Gabriel, aconchegado à mãe, sentindo o calor dela, vendo o irmão no colo da avó, pensou: “não vou ficar triste; presente maior é ter minha mãe comigo, meu irmão, minha avó... isso é felicidade”. Então ele abraçou a mãe muito forte e lhe deu um beijo. “Mamãe, a senhora, o Rafael e minha avó são meu maior presente!” Depois beijou a avó e o irmão.



Já estavam no meio da tarde. Gabriel tinha se animado a se levantar e a tomar banho. De repente, alguém chama, na rua. “Ô, de casa! Quem será? Sobe no sofá, olha através do basculante. Um homem e uma mulher, sorridentes e com uma sacola grande nas mãos. Gabriel abre a porta e vai correndo para a rua. O casal pergunta:



-  “Tem criança nessa casa?” 



- Tem, sim, eu e meu irmãozinho.



- Quantos anos ele tem?



- Dois, quase três.



O casal abre a sacola, mexe, revira, depois tira dois presentes e entrega para Gabriel. “Este é para você, e este é para seu irmão.” O menino não sabe o que dizer. Seu coração acelera. Fica imobilizado, olhando para os embrulhos. “Pegue. É para vocês.” Olha para a mãe, que está com o irmão à porta e diz “sim” acenando com a cabeça. Ele  pega os presentes e corre até a mãe e o irmão, pulando e gritando “Eu sabia, mãe! Eu sabia que Papai Noel não nos esqueceria!”



Entrega o presente do irmão, entra na casa e abre seu presente. É um brinquedo! O mais lindo que ele podia imaginar. Gabriel volta à porta. O casal ainda está lá, sorrindo, conversando com a mãe. Meio tímido, grita: “Obrigado, moço! Obrigado, moça! OBRIGADO!!!” Volta para dentro e começa a brincar com seu brinquedo.



A mãe agradece o casal, que se vai, e senta no degrau da porta para ajudar Rafael a abrir o  que ganhou. O menino logo coloca o brinquedo no chão, um carrinho, e começa a brincar. Ela sente os olhos marejarem. Pega um pedaço de tijolo e vai escrevendo devagar, na terra: “Obrigada, meu Deus! Obrigada, Papai Noel!”



Então, feliz, cantarola uma canção assim:



Natal, Natal das crianças
Natal da noite de luz
Natal da estrela-guia
Natal do Menino Jesus

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