José Roberto Pereira
Cadeira n.º 12
Manhã
Manhã que amanhecerá ainda escura, nebulosa, enigmática
Sobre o muro, conspira o universo que o vírus fabrica
Vírus que penetra nas entranhas
Porta de entrada da vida e saída da morte. O corpo é louça prestes a se quebrar
Adoecem órgãos diante do inesperado. O germe não é visível
Carne humana se contamina quando exposta ao ar
Bandeira branca, hasteada sobre o símbolo da ciência, clama por trégua
Estes horizontes que se alargam sobre o concreto armado despertam piedade
Já não somos os mesmos. Nem as coisas. Aquelas ruas largas e movimentadas
Coalhadas de lixo, de ratos imundos, manchadas de sangue do homem e do animal
Impregnadas por odores, gases e por cusparadas atiradas pelas bocas
Caídas pelo asfalto onde tantos pés calçados carregavam imundícies
Por ora, as ruas, qualquer rua, se espreguiça, comprida, vazia, limpa, banhada de sol
O mato cresce entre paralelepípedos. Flores silvestres brotam entre rachaduras e rugas
Dentro das casas, pessoas, confinadas e unidas, resgatam ofícios
E afazeres à espera do amanhã. O tempo não voa como descrevem as poesias
Ninguém sonha viver sobre o arco-íris. Acuados, todos esperam
Almejam que o amanhã venha. Clamam pela Estrela d’alva, pela aurora
Fazem pedidos e orações, mas não imploram pelo milagre
Anarquistas, quase todos buscam reconciliação
Anseiam perdão de alguma divindade, de alguma árvore da rua
Das frutas nos mercados, da praça do bairro e das putas que os feriram
Amém
Nos continentes, rios e mares, os povos, a sós, aos bandos e/ou aos pares
Assistem aos modos, aos sonhos, à ganância, ao medo enferrujando-se, esquecidos
Nas gavetas, na sala ampla, nas pastas nos escritórios
Tudo empoeirando sobre o olhar humano
Fitando os dias que se revezam. Cada ser fermenta processos de mudanças
Promessas
Com quantas coisas a vida nos presenteia! Quanto de espaço ocupa o ócio
A perda, o choro, o rancor, a mágoa, a felicidade e o amor
Quem mais se aventurou aos bordados, à culinária e às paixões
As artes e as ciências transformaram mais o mundo do que as manchetes dos jornais
Anunciando o futuro
Turvo
Que inevitavelmente nascerá. E ri-se o destino irônico, alimentando esperanças
Quem se preparar melhor para o amanhã, poderá ter
Dias melhores. Amém.
"Dias melhores. Amém."
ResponderExcluirAMEM. AMEM. AMEM-SE! Amém!
Conceiçāo Cruz.
Texto forte e verdadeiro. Parabéns, José Roberto Pereira! Que estejamos preparados. Que tenhamos dias melhores. Um abraço.
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