Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2
O Rubem Alves me
disse, uma vez, que “amiga é aquela pessoa em cuja companhia não
é preciso falar”. Ele explica que um amigo é alguém cuja
presença procuramos não por causa do que iremos fazer juntos e que,
quando a pessoa não é amiga, se não há programa ou conversa, o
silêncio fica insuportável. Mas que é diferente com o amigo. Não
é preciso falar, pois basta a alegria de estarem juntos. “Amigo
é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do
que se faça ou diga.”
Outro dia, ao ler o
poema “Arte do chá”, do Leminski, lembrei do Rubem e dessa fala
dele:
ainda
ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele
veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
O poema do Leminski conversa muito bem com a fala do Rubem. Não é bem interessante isso
do silêncio na presença de um amigo? Não costumamos nos incomodar
com o silêncio quanto estamos diante de outra pessoa?
Voltando ao Rubem,
ele nos aponta um teste para saber quantos amigos temos. E diz que,
se o silêncio entre nós causa ansiedade, se quando o assunto foge e
a gente se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a
conversa animada, então a pessoa com quem você está não é
amiga...
A gente se acostumou
a falar e falar quando está com outra pessoa. Sente necessidade
disso. O silêncio deixa um vácuo. Incomoda. Ficamos sem graça.
Sendo essa pessoa amiga ou não. Mas não precisa ser assim.
Na época em que li
o texto do Rubem, fiquei pensando no que ele falou. A primeira vez
que experimentei o silêncio com outra pessoa foi com meu pai.
Estávamos em Itaúna, cidade vizinha à nossa, e ele tinha acabado
de sair de uma consulta médica. Indo para o estacionamento, passamos
diante da igreja central, e ele quis entrar. Sentamo-nos, ele fez as
orações dele, depois ficamos ali por um bom tempo, em silêncio, um
ao lado do outro, eu com o braço sobre o ombro dele. Eu não queria
dizer nada. Ele também ficou em silêncio. E vi que não
precisávamos conversar, experimentando apenas a alegria de estarmos
juntos.
Outra coisa que o
Rubem me disse e nunca esqueço (são tantas!) é que a alegria mora
no momento, no agora. “Ela está lá, modesta e fiel, no espaço da
casa, no espaço da rua.” Ele diz, com isso, para enxergarmos o que
existe bem diante de nós, no presente, e nos alegrarmos com isso.
Neste
período nebuloso, quando, vez ou outra,
chegamos a ser tomados por desespero diante de tantas mortes e de
tantas barbaridades a que assistimos todos os dias vindas de quem
deveria mostrar respeito, seriedade e empatia com o sofrimento do
povo de seu país – de quem, ao invés de estar tentando diminuir
o caos, só faz para atiçá-lo ainda mais e, como se não bastasse,
é cultuado por uma legião cega, violenta e como que hipnotizada –
está difícil encontrar a alegria no momento.
Ainda assim, a gente
precisa tentar. A gente precisa acreditar que virão dias melhores.
Por mais difícil que esteja, a gente precisa buscar motivos pelos
quais agradecer. E a gente tem. Basta olhar à nossa volta.
Agradecer deve ser um exercício diário. Eu sei que está difícil,
mas a gente não pode perder a esperança. Digo isso mais para mim do
que para você.
Se não fizermos
assim, nossa mente ficará doente. Isso, se já não estiver.
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Foto: Alaércio
Delfino
Sim! A esperança será o nosso escudo!
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