domingo, 7 de junho de 2020

Enquanto houver sol

Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2


O Rubem Alves me disse, uma vez, que “amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar”. Ele explica que um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa do que iremos fazer juntos e que, quando a pessoa não é amiga, se não há programa ou conversa, o silêncio fica insuportável. Mas que é diferente com o amigo. Não é preciso falar, pois basta a alegria de estarem juntos. “Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que se faça ou diga.”
Outro dia, ao ler o poema “Arte do chá”, do Leminski, lembrei do Rubem e dessa fala dele:
ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

O poema do Leminski conversa muito bem com a fala do Rubem. Não é bem interessante isso do silêncio na presença de um amigo? Não costumamos nos incomodar com o silêncio quanto estamos diante de outra pessoa?
Voltando ao Rubem, ele nos aponta um teste para saber quantos amigos temos. E diz que, se o silêncio entre nós causa ansiedade, se quando o assunto foge e a gente se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é amiga...
A gente se acostumou a falar e falar quando está com outra pessoa. Sente necessidade disso. O silêncio deixa um vácuo. Incomoda. Ficamos sem graça. Sendo essa pessoa amiga ou não. Mas não precisa ser assim.
Na época em que li o texto do Rubem, fiquei pensando no que ele falou. A primeira vez que experimentei o silêncio com outra pessoa foi com meu pai. Estávamos em Itaúna, cidade vizinha à nossa, e ele tinha acabado de sair de uma consulta médica. Indo para o estacionamento, passamos diante da igreja central, e ele quis entrar. Sentamo-nos, ele fez as orações dele, depois ficamos ali por um bom tempo, em silêncio, um ao lado do outro, eu com o braço sobre o ombro dele. Eu não queria dizer nada. Ele também ficou em silêncio. E vi que não precisávamos conversar, experimentando apenas a alegria de estarmos juntos.
Outra coisa que o Rubem me disse e nunca esqueço (são tantas!) é que a alegria mora no momento, no agora. “Ela está lá, modesta e fiel, no espaço da casa, no espaço da rua.” Ele diz, com isso, para enxergarmos o que existe bem diante de nós, no presente, e nos alegrarmos com isso.
Neste período nebuloso, quando, vez ou outra, chegamos a ser tomados por desespero diante de tantas mortes e de tantas barbaridades a que assistimos todos os dias vindas de quem deveria mostrar respeito, seriedade e empatia com o sofrimento do povo de seu país – de quem, ao invés de estar tentando diminuir o caos, só faz para atiçá-lo ainda mais e, como se não bastasse, é cultuado por uma legião cega, violenta e como que hipnotizada – está difícil encontrar a alegria no momento.
Ainda assim, a gente precisa tentar. A gente precisa acreditar que virão dias melhores. Por mais difícil que esteja, a gente precisa buscar motivos pelos quais agradecer. E a gente tem. Basta olhar à nossa volta. Agradecer deve ser um exercício diário. Eu sei que está difícil, mas a gente não pode perder a esperança. Digo isso mais para mim do que para você.
Se não fizermos assim, nossa mente ficará doente. Isso, se já não estiver.

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Foto: Alaércio Delfino

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