Recontando uma história
Terezinha Pereira
Foi Ítalo quem
me contou alguns causos. Se, foram em tantas noites, não contei quantas... Eu estava quieto numa cama de hospital. Um
fantasma havia levado minha perna esquerda. Só quem já experimentou passar
noites e dias e noites num hospital público é que poderia me entender. Ainda
bem que um amigo de noitadas do ontem aparecera para me acompanhar e passava
horas me contando histórias. Vou-me
lembrar de uma delas.
Bom, começou o
Ítalo. O filho, não o meu, o do personagem da história, passou a perder noites de sono. Ser ou não ser,
viver ou morrer. Era o que o desassossegava. Pudera. Esse moço era um jovem
príncipe e a rainha sua mãe havia tomado atitude de madrasta. O rei, pai dele,
primeiro marido dela, ela havia tratado de envenenar enquanto dormia. Queria
homem novo. Belo, não leal, era o cunhado que se tornou o rei. O caso é dito
acontecido lá pelos reinos da Dinamarca. Há mais de quatrocentos anos. Contou o Ítalo. Foi no tempo em quem as
pessoas ainda acreditavam em fantasmas, desses do além, entende? O fantasma do
pai apareceu para abrir os olhos do filho que de louco se fez para poder
investigar. Meio a essas circunstâncias, morrera a noiva do moço filho do rei
envenenado pela mulher rainha. Suicidara-se? Especulavam. Talvez um acidente...
Como? Se a moça não sabia nadar........
Teria se pendurado num galho de árvore sobre um rio, apenas para apanhar uma flor? Disseram que se
sentia muito só enquanto o noivo se fazia de insano. Ela preferira o deixar de
ser. Ah, o príncipe! Haja veneno. Recomeçando: a rainha envenenou o
marido. Dias após, o fantasma do pai
apareceu nas penumbras das torres do castelo e embaralhou o tino do filho. Após
alguns sucedidos, o novo rei, marido da velha rainha, o que não era leal,
deitou veneno na taça de vinho que ia servir ao enteado. A mulher rainha, que
era mais madrasta do que mãe, também acabou tomando do vinho sem saber da
proeza do belo marido e caiu morta. Isso se deu enquanto acontecia um duelo
entre o príncipe e o irmão de sua noiva. Um duelo não podia faltar nessa história. Os deuses dariam razão ao inocente. Sabia-se. (Hoje, correr o
risco de duelar, quem há de? Pum, pá, pá, pá, pá... É mais rápido. Todo mundo
ouve os estampidos. Ninguém sabe quem atirou. Ouve, mas não vê. Não pode ver.)
O motivo do duelo: o príncipe aceitara se bater com o cunhado, irmão da amada
morta, que queria vingar a morte da moça, que no seu julgar, morrera de paixão pelo príncipe. Quanto
veneno. O cunhado, irmão da noiva morta no rio ao despencar de uma árvore onde
subira para apanhar uma flor, havia envenenado a sua espada de duelo. Queria
garantir, de todo jeito, a morte do príncipe. Se não morresse pela ferida,
seria sucumbido pela peçonha. Ocorre que, por confusão durante a peleja, as
espadas dos duelistas foram trocadas e o cunhado acabou sendo sujeito de seu
próprio feitiço... O novo rei, que não era leal, na agitação, foi atingido pela
espada preparada pelo cunhado do príncipe. Ah, o final da história. Quem sobrou
para contar o acontecido naquele reino, se desafiantes e testemunhas perderam a
vida? Um fiel amigo do príncipe. E se não tivesse restado ninguém? Estaria eu
aqui hoje, beirando sua cama de hospital_ você, mais pra lá do que pra cá_ e
lhe contando esse caso? Ah! E do reino... Do reino, só restou o silêncio. Um
silêncio que até hoje se ouve. Assim me contou o Ítalo.
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