Joandre O. Melo
cadeira nº 20
cadeira nº 20
Hoje
o Céu escureceu. O sol ainda estava a pino e uma enorme nuvem negra,
vinda dos lados de nossa vizinha Itaúna, cobriu a sua luminescência,
trazendo as primeiras chuvas depois do inverno; prelúdio à primavera.
O
inverno ainda não findou, mas já começa a enfraquecer-se e a ceder
lugar ao perscrutar de mais uma primavera que nos enche de alegria e
esperança.
A
época das flores, da renovação da ramaria dos arvoredos, avizinha-se.
Doces odores já espalham-se pelo ar quente, parece saudar a próxima
estação.
Os
pássaros já pressentem a aproximação da primavera; entoam seus cantos
multicores. Uma sinfonia de sons: arrulhos, chilros, silvos.
Mas
a nuvem negra permanece intacta, balofa, prestes a se arrebentar –
encheu-se com o calor, sugando as águas do São João e outros arroios que
encontrou no caminho enquanto crescia – anuncia a primeira chuvarada, o
calor sufoca e faz as primeiras gotas precipitarem-se quentes, pesadas.
Despencam inclinadas pelo vento que sopra forte.
Subitamente,
tudo se cala ou é suplantado pelo estrondo do choque das maciças e
quentes gotas que se desfazem ao chocar-se com o solo duro e ressecado.
Os raios comemoram como serpentinas e iluminam o dia que parece ter
virado noite. E a nuvem escura desfaz-se aos poucos, entregando-se entre
lágrimas e soluços toda a sua existência. Em breve toda a negritude
pavorosa se transformará em um néctar que irromperá pelos sulcos da
terra até às suas entranhas quentes e escuras; e, alimentará o submundo
das raízes e sementes esquecidas. Trará à superfície novamente a vida. A
vida que a sequidão e o sopro gélido do inverno roubaram.
Solitário,
distante de todo esse maravilhoso espetáculo, aqui estou, preso em meu
escritório, completamente seco e indiferente ao que acontece lá fora.
Apenas penso nas informações que se sobrepõem com a rapidez alada da
nova geração de redes de computadores. Vejo apenas a tela colorida
artificialmente por luzes criadas por led’s – invenções humanas –
dispostos simetricamente a criar imagens às quais respondo com
frenéticos cliques do meu mouse. Neste mundo plástico, artificialmente
colorido, matematicamente construído, vivo a ferros. E a bela e
grandiosa ópera que se apresenta lá fora, é-me completamente
indiferente.
No
entanto, algo me alegra. Ao olhar, por um momento, pelo vidro da
janela, açoitado pelas rajadas de gotas –- como projéteis cuspidos por
metralhadoras -– observo um ipê a desfolhar-se. Vejo suas flores últimas flores
amarelas, arrancadas impiedosamente; mas, junto com as
flores sacrificadas vejo pequeninos embrulhos, observo com maior cuidado
e assevero-me que são pequeninas sementes cuidadosamente embaladas em
um invólucro de celulose transparente; vestidas para brotar. Arrancadas
impiedosamente pelo temporal seguem tácitas em meio à barrenta enxurrada
para cumprirem o seu destino... BROTAR OU MORRER...
Para ler outros texto do autor clique: Espaço "Intuição"
Joandre, a primavera chega e não podemos nos descuidar de observá-la. Agora há pouco nossa região foi tomada pelos ipês amarelos, aquelas maravilhas que a nossa colega acadêmica Hila Flávia jura que Deus fez de presente pra ela! Deixemos de lado toda a aridez que nos é imposta para observar a renovação da vida. Ainda há tempo de ver as últimas flores dos ipês...
ResponderExcluirMárcio Simeone
"presos em nossos escritórios" sem paredes... escritórios interiores, abafados em nós mesmo, embuçados em nossos sentimentos, sonhos e desejos, assim egoisticamente olhamos somente para o meu eu e não vejo o outro, não vejo o mundo, não vejo o tempo. Então, ironicamente perdemos tempo. E, depois? Depois nada.
ResponderExcluirVocê já abraçou alguém hoje, já "perdeu" tempo de ver o outro?
Então, saia de seu escritório, venha para o mundo, viva a vida...
Um abraço. É primavera...