sábado, 10 de agosto de 2019

José Alexandre da Cruz

Conceição Cruz
Cadeira n.º 4



As minhas laranjas, naquela época,

tinham sabor de Paciência:

dele, por nos acolher naquela algazarra toda de criança

e minha, por saber aguardar a minha vez!



A renda verde a tornear suas mãos

da fina casca cuidadosamente retirada

e o cone central...



Primeiro, a laranja para o caçula e o cone para os outros;

depois, a ordem se invertia: o cone para os menores...

Por fim, a laranja inteira!



Era preciso ensinar

a compartilhar o sentimento de ser família e estar atento

às necessidades também dos outros...



Eu me sentia

única dentre os irmãos: meus olhos atentos

vigiavam cada um daqueles movimentos serenos:

o canivete, perpendicularmente,

girava a desenhar um círculo,

na verdade, um orifício em formato de um cone a criar uma “tampa”

e aquilo parecia durar uma eternidade inteirinha!



À semelhança de um rio, com uma leve espremida,

caldos e sementes transbordavam

e quantas vezes chegaram até a me engasgar!



E quão feliz eu me sentia!



Tudo parava quando ele chegava:

nossas fraternas e intermináveis brigas!



Era um momento de grande expectativa: por vezes, apesar

de selecionadas, as laranjas não eram tão doces,

outras vezes, tinham até umbigo!



Com sua sabedoria nos unia

mesmo com as coisas que

a gente já sabia:

um cone em uma laranja ou em uma dúzia delas!



Os doces de laranja que hoje faço

talvez sejam uma tentativa

gostosa de reviver aqueles

momentos...



As flores de cascas cítricas

que aprendi com ele

- brincando a fazer – e que hoje ainda recrio,

têm cheiros e formas característicos: são

verdadeiras reminiscências...



As minhas memórias olfativas e gustativas jamais

me permitiram esquecer:



as minhas laranjas,

naquela época,

tinham gosto de zelo.

Hoje, têm sabores

de saudades!

(*) Homenagem póstuma – Dia dos Pais/2017

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