Conceição Cruz
Cadeira n.º 4
As minhas laranjas, naquela época,
tinham sabor de Paciência:
dele, por nos acolher naquela algazarra
toda de criança
e minha, por saber aguardar a minha vez!
A renda verde a tornear suas mãos
da fina casca cuidadosamente retirada
e o cone central...
Primeiro, a laranja para o caçula e o
cone para os outros;
depois, a ordem se invertia: o cone para
os menores...
Por fim, a laranja inteira!
Era preciso ensinar
a compartilhar o sentimento de ser
família e estar atento
às necessidades também dos outros...
Eu me sentia
única dentre os irmãos: meus olhos
atentos
vigiavam cada um daqueles movimentos
serenos:
o canivete, perpendicularmente,
girava a desenhar um círculo,
na verdade, um orifício em formato de um
cone a criar uma “tampa”
e aquilo parecia durar uma eternidade
inteirinha!
À semelhança de um rio, com uma leve
espremida,
caldos e sementes transbordavam
e quantas vezes chegaram até a me
engasgar!
E quão feliz eu me sentia!
Tudo parava quando ele chegava:
nossas fraternas e intermináveis brigas!
Era um momento de grande expectativa: por
vezes, apesar
de selecionadas, as laranjas não eram tão
doces,
outras vezes, tinham até umbigo!
Com sua sabedoria nos unia
mesmo com as coisas que
a gente já sabia:
um cone em uma laranja ou em uma dúzia
delas!
Os doces de laranja que hoje faço
talvez sejam uma tentativa
gostosa de reviver aqueles
momentos...
As flores de cascas cítricas
que aprendi com ele
- brincando a fazer – e que hoje ainda
recrio,
têm cheiros e formas característicos: são
verdadeiras reminiscências...
As minhas memórias olfativas e gustativas
jamais
me permitiram esquecer:
as minhas laranjas,
naquela época,
tinham gosto de zelo.
Hoje, têm sabores
de saudades!
(*) Homenagem póstuma – Dia dos Pais/2017
É o amor nos faz ter as melhores lenbranças. Parabéns!
ResponderExcluirEsse poema me fez retornar a minha infância. Que delícia!
ResponderExcluirmuito lindo
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