sábado, 14 de dezembro de 2019

Paz na terra a todos por ele amados

Regina Marinho
Cadeira n.º 6


Leitura meditativa

Tendo em vista a proximidade do Natal, proponho aqui uma leitura meditativa para reacender em nós seu sentido original. Com base em Lc 2, 8-20, convido-os a percorrer o itinerário dos pastores até a grutinha de Belém, despojados de excessos, revestidos de necessária simplicidade.



Na região havia pastores que passavam a noite no campo, tomando conta de seus rebanhos. Um anjo do Senhor apresentou-se a eles e a glória do Senhor os envolveu de luz. Eles ficaram tomados de grande temor. O anjo então lhes disse: “Não temais! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! E isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura.” De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz a todos por ele amados!”

Quando os anjos, retornando ao céu, se afastaram dos pastores, eles disseram uns aos outros: “Vamos a Belém para ver o que aconteceu, aquilo que o Senhor nos mostrou.” Foram então, depressa e encontraram Maria e José e o recém-nascido deitado na manjedoura. Quando viram o menino, contaram o que lhes fora dito a respeito dele. Todos os que ouviram ficaram admirados com as coisas que os pastores lhes contavam. Maria, porém, guardava todos esse acontecimentos, meditando-os em seu coração. E os pastores voltaram, louvando e glorificando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, conforme lhes fora anunciado.

Era noite! Enquanto todos dormiam, os pastores estavam despertos, vigilantes, guardavam as ovelhas de seus rebanhos. Como o campo aberto em que viviam, mantinham o seu espírito. Afinal, de que forma compreenderiam o que estava por acontecer? Rudes pastores, desprovidos de erudição, conhecimento das leis, eram pessoas vazias de si, prontas para acolher o mistério. Vigilantes, humildes e abertos, poderiam dar-se a ele por inteiro. No entanto, eis que o medo aflora. Sabemos bem como é isso! Diante do grandioso, o assombro e o temor. É que não basta ter o espírito aberto, há que se abrir também o coração. Quando vem o medo, deixar que ele forje, a partir dentro, a coragem. Naquela noite de silêncio e som, luz e assombro os pastores venceram o medo e escutaram o mais esperado anúncio: “hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! Mas, por que um anúncio de tamanha importância não foi dito em todos os cantos, no templo, nos palácios? É que o anjo sabia algo que nem todos sabiam. No seu saber, ele entendia que somente os mais pobres e livres creriam nas suas palavras, pois o templo, os palácios e as sinagogas estavam cheios de muito saber humano, de muitas certezas absolutas e de muita ostentação. Em lugares tão cheios assim não havia espaço para o novo e o inusitado, que dirá para o contraditório. Os pastores ouviram e creram. E ouviram mais! Ouviram um coro de anjos dizer-lhes coisas já um tanto esquecidas: da paz na terra e do amor de Deus por seus amados. Puxa! Fico pensando nessas palavras ditas há tanto tempo e imaginando por que, decorridos tantos anos, nesta terra de amadas e amados por Deus ainda falta a paz? A resposta que me vem é simples e dolorosa. Uma coisa é o amor de Deus, gratuito, dependente tão somente de si, que nos ama da forma como somos e independentemente do que façamos ou deixemos de fazer. Outra coisa é a paz na terra que, embora seja da vontade de Deus, depende, para acontecer, da nossa vontade, atitude e empenho. Pelo jeito, nossa vontade não tem correspondido à vontade de Deus. Nossa atitude e nosso empenho, menos ainda. Parece que temos andado bem distantes da gruta de Belém ou que ela seja para nós apenas o cenário de um presépio que se monta a cada dezembro de nossa vida. Se não nos fizermos como estes pastores, seguindo o passo a passo que a história nos aponta: humildade, abertura de espírito e coração, vigilância, escuta e coragem, não poderemos ser portadores da paz. O portador da paz não a porta para si. Leva-a aonde vai deixando-a por onde passa. Mas o que nos falta a nós, amadas e amados de Deus, para sermos verdadeiros portadores da paz? Falta exatamente….o amor de Deus. Mas como, se ele nos ama? Sim, ele nos ama, mas seu amor não encontra terreno em nós onde possa brotar e crescer. Não basta que Deus nos ame para haver a paz na terra. Ela depende que nos amemos como ele nos ama. Infelizmente, temos sido apenas o receptáculo estéril de um amor fecundo. Recebemos de Deus o amor, mas não o frutificamos. Precisamos aprender a amar. Não! Precisamos desaprender, pois que aprendemos a amar de um jeito estreito, exclusivista, cheio de condicionantes. Não amamos a todos como irmãos e muito menos àquele que pensa e age de forma bem diferente de nós. Isso me lembra a grave acusação contida em Jo 4, 18-21 “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é um mentiroso; pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão”.

A paz na terra era desejo daqueles pastores que se deixaram tocar pelo mistério do amor de Deus e se encheram de alegria e entusiasmo. Quem se deixa tocar pelo amor e se enche de alegria e entusiasmo não fica inerte. O amor exige uma resposta concreta. E a resposta de quem está pronto é imediata. Não paira na dúvida, na incerteza. Vem o medo e ele o ultrapassa e se põe a caminho de Belém. Uma decisão, uma atitude, uma mudança de rumo ou apenas a retomada do caminho. Decerto aqueles pastores tinham outros planos para aquela noite. Decerto tiveram de providenciar um abrigo seguro para suas ovelhas, quando decidiram ir a Belém. Mas o que viram, um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura, reacendeu neles a esperança. Imagino os olhos de Maria e de José, quando os pastores lhes contaram o que o anjo lhes havia dito daquele pequenino. Imagino o rosto iluminado da jovem mãe que, silenciosamente, recolheu tudo aquilo em seu coração. Imagino a manjedoura, lugar do alimento de animais, e sobre ela a criança que se tornou alimento para muitos. Adentrar o mistério da encarnação é pisar nesse lugar cheio de presença, tocar o solo do insondável, uma aparente impossibilidade.

Que, neste Natal, sejamos humildes, abertos e atentos para acolher o mistério. Que encaremos o medo de atravessar a noite escura para experimentar a alegria do encontro com o divino na grutinha de Belém. E que, revestidos do amor de Deus, amemos com igual amor a todas as suas criaturas para fazer possível a paz nesta terra. Feliz Natal!












Um comentário:

  1. Querida Confreira Regina:

    fiquei meditando sobre as reflexões que seu texto nos trouxe.

    Lembrei-me da canção Direitos Iguais - Chico Rey e Paraná:

    "nós temos que aprender,
    mais do que ensinar,
    tá tudo em nossas mãos
    e ainda nem sabemos amar"

    Que permitamos o frutificar do Verdadeiro Amor, vivenciando-O em cada instante do ano novo!
    Forte e fraterno abraço.
    Conceição Cruz

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