Mas, este medo minha mãe ocultou
de seus filhos, protegendo-nos da angustia que ela própria sentia diante das
tempestades. Ao contrário, ela nos fez amar a chuva. Os pingos caindo nas latas
colocadas por ela debaixo das goteiras do telhado, eram música aos nossos
ouvidos. Cada latinha emitia um som e neste embalo dormíamos felizes.
Quando chovia granizo ela corria
e nos chamava para recolher as pedrinhas de gelo que colocávamos na boca como
se fosse um maná do céu.
Hoje amo a chuva, o cheiro da
terra e das telhas molhadas. Paro para apreciar da janela os raios iluminando o
céu escuro.
Como este, lembro de outros
momentos mágicos que ela proporcionou a mim e aos meus irmãos.
Aniversário era sempre com festa
para cada um de seus oito filhos, além do dela e de meu pai. Ela fazia os salgados
que eram deliciosas empadinhas e pastéis. Tudo feito em casa. Ela tinha as
forminhas das empadas, o rolo e a carretilha para a massa dos pastéis. Nunca
mais comi salgados como os que ela fazia. O bolo era quadrado e montado em
andares. A cobertura era branquinha, de suspiro e, no alto ficavam as velas, tantas quantos eram os anos feitos pelo aniversariante e salpicada de confetes
de chocolate. E havia também pirulitos de mel que, felizmente, sei fazer.
Sexta feira era dia de fazer
quitandas e mamãe deixava que nós, crianças, participássemos. Nossa ajuda era
na hora de enrolar ou enfeitar os biscoitos, dourar as roscas, untar os
tabuleiros. As maiores podiam bater as claras de ovos para os bolos, e era com
garfo. Se faltava ingrediente, uma de nós ia ao armazém comprar. Assada a
primeira fornada, era devorada na hora. Nada era escondido. Talvez por esta
vivência eu tenha hoje a mão boa e o prazer para fazer algumas daquelas
quitandas deliciosas.
Os doces também eram feitos em casa: doce de
figo, de laranja da terra, de leite, de mamão, aletria, arroz doce. Tudo acompanhado
de perto pelos 8 filhos. Quando o doce era colocado na travessa, nós já
estávamos com a colher nas mãos para raspar a panela. Nós e o papai.
À noite mamãe contava histórias.
Não havia televisão e dormíamos assim que escurecia. Eu me lembro especialmente
da história da Maria Pintada, uma menina que não queria comer verduras, nem
legumes, nem frutas. Então, ela era magra e pálida, tanto que, um dia, um vento
forte a derrubou. Depois disso, ela começou a comer. Esta história era dirigida
em especial à minha irmã mais velha, Maria Olga, que só gostava de café com
leite e das quitandas. Eu sempre comi bem, então, ouvindo a história, eu já ia
para o terceiro prato quando minha mãe percebia e dizia "basta".
Minha mãe sempre cantava enquanto
fazia o serviço de casa. Sua família era de músicos. Cantava no coral da igreja
nas missas de domingo e sempre que se reunia com sua família.
Com minha mãe aprendi a apreciar
o silêncio das manhãs, a comer lima cortada em gomos formando livrinhos, a
acordar às 5 horas da manhã e sair para a igreja a comungar. Com ela aprendi a
respeitar o sono alheio, sempre andando pé ante pé, falando aos cochichos e
jamais acendendo a luz num cômodo onde alguém estivesse dormindo.
Aprendi a gostar de cultivar
flores e hortaliças. Eu a via cuidar dos canteiros floridos com suas flores
preferidas: amor perfeito, cravo, rosa e ervilha de cheiro. Eu e minha irmã
maior ganhamos, cada uma, um canteiro para plantar o que quisesse. Hoje nós,
seus filhos, temos alegria em cultivar, mesmo aqueles que moram em pequenos
apartamentos têm seus vasinhos de flores e ervas.
O Natal era uma festa
sensacional. Seu pai, vovô Alfredo, era artista e havia feito um grande presépio
de serra para cada filho. Assim, antes do natal, mamãe saia conosco para
recolher terra branca de talco que havia na serra para montar o caminho dos Reis
Magos. Também colhíamos musgos e barbas de pau das árvores para a gruta do
Menino Jesus. Havia um pequeno espelho onde os patinhos nadavam. Era uma
alegria montar aquele presépio. Muitas pessoas faziam belos presépios que
costumávamos visitar. O mais famoso era o da Zé Correia que ocupava todo um
quarto e podia ser visto da janela da rua.
Na noite da véspera de Natal
sempre havia uma ceia, que acontecia antes de meia noite para que as pessoas
pudessem comungar na missa do dia 25 de dezembro. Nós, as crianças, não
participávamos da ceia dos adultos. Dormíamos às 8 horas e, antes de irmos para
a cama, mamãe nos servia todas as guloseimas da ceia com guaraná, numa mesinha
na cozinha. Antes de dormir, cada um de nós deixava um pé de sapato no presépio
e, no dia seguinte, ali estavam nossos presentes dados pelo Menino Jesus.
Frequentávamos todos os programas
para crianças que apareciam na cidade: parques, circos, quermesses. Sempre
arrumadinhas, Maria Olga e eu, de roupas iguais – era moda para crianças – nos divertíamos bastante.
Em nossa casa sempre tinha um
galinheiro e muitas galinhas que ajudávamos a cuidar, colher os ovos, soltar
para ciscarem e prender de novo à noite. E, o melhor, mamãe dava uma galinha
para cada uma cuidar. Eu tinha uma galinha que chocou sete pintinhos. Fiquei
com inveja da Maria Olga pois, sua galinha chocou treze. Em compensação, a
galinha da Beth, que é mais nova que eu, chocou apenas três.
Quero manter ao longo de minha
vida este olhar de criança que vê por primeira vez, que descobre, que toca para
sentir a textura, que cheira, que aprecia cada despertar, cada anoitecer, cada
nascer da lua, cada movimento da natureza.
À minha mãe meu eterno amor e
gratidão.
Encantador e retrato da tia Olga pintado pela minha querida prima Angela.Eu q tive a felicidade de participar de muitos destes momentos inesquecíveis, sinto especial emoção ao relembra-los descritos com tanta precisão de detalhes.A doucura da tia Olga se reflete na Angela e nos outros filhos tornando suas casas o mesmo lugar acolhedor e amoroso como a sua casa de antigamente.Parabrns e obrigada Angela por me trazer tanta saudade e emoção!
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