sábado, 3 de agosto de 2024

Desencontro

Márcio Simeone
Cadeira n.º 8

Houve um tempo em que o mundo estava cheio de perguntas. Elas foram há muito semeadas e circulavam inquietas por toda parte. Sim, porque as perguntas eram sempre muito agitadas,  estavam sempre ansiosas e muitas delas eram não só impacientes, como impertinentes, onipresentes interrogações à procura de onisciência. 

Naquele tempo as perguntas eram jovens e buscavam achar as respostas como quem busca um feliz encontro com a razão e, quem sabe, com a luz. Afinal, cada resposta encontrada, ainda que não fosse a melhor,  acendia uma lâmpada no fosso escuro da ignorância e indicava algum caminho no labirinto da mente. A prazerosa conjunção, a um só tempo fonte de gozos e de culpas, gerava exclamações e desejos infinitos. 

Contudo, o tempo envelheceu as perguntas e muitas, cansadas e infelizes, foram se divorciando de suas respostas. Abandonadas, hoje são as respostas que vagam inquietas à procura de perguntas. Se não as acham, multiplicam-se sozinhas; são sentenças que se acham livres e creem que tudo explicam. Estão em todo lugar, mas não formam parte em nenhum. Não se sabe bem como, mas foram se tornando arrogantes e tomando para si toda a razão. Inundam cada espaço com um excesso de luz, cujo brilho atrai os predadores e cega os inocentes.

Lamenta-se o triste destino de um mundo de perguntas errantes, refugiadas como seres sem pátria, que só se apoiam em si mesmas para sobreviver. Mas em algum canto se escondem aquelas indagações de sempre, as eternas, que nunca envelhecem ou esquecem, cuja existência humilde não faz caso do tempo, tampouco se importa com a presença mesquinha dos conceitos definitivos. Curiosas, alimentam-se de ideias simples e dispensam os luxos das certezas, conservando à parte os mistérios e as esperanças. Elas se mantêm confiantes na atração recíproca, na qual perguntas e respostas mutuamente se busquem sem exigir perfeição e totalidade, produzindo sentido no próprio encontro e abrindo os caminhos para a sabedoria e o entendimento. Sabem que  melhores respostas só podem existir de par com melhores perguntas e todas formando uma constelação. Tal busca não é só ciência, é arte.
 
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