terça-feira, 3 de setembro de 2024

Encontros e desencontros

Fátima Peres
Cadeira n.º 15


Cheguei 15 minutos antes do compromisso marcado. Logo que entrei procurei pelo dono da livraria e perguntei a ele se teria pelo menos três exemplares de "Aquele olhar fora do corpo" para vender.

– Não tenho, vendemos tudo, respondeu ele. E então resolvi esperar pela autora do livro. Sabia que ela viria com alguns exemplares para deixá-los à venda. Sentei-me na única cadeira que havia em volta de uma mesa disponível. Achei estranho, mas me sentei assim mesmo, porém com uma pulga atrás da orelha e com receio de que ali fosse um território marcado.

– Por que aquela mesa só tinha uma cadeira em volta? Pensei. E, por horas, fiquei ali sentada, observando o movimento, o entre e sai dos amantes dos livros. Para passar o tempo comecei a ler um que acabara de adquirir: Eu, mulher... escrito por uma moçambicana. Em minutos devorei toda a obra. Era um depoimento belíssimo de Paulina Chiziane que esteve na cidade e, por desencontros que a vida nos insiste em nos proporcionar graciosamente, não pude assisti-la naquele dia.

Mas as horas passavam e nada da escritora chegar com os livros que tanto queria. De repente, já entediada com o movimento do local, algo me chamou a atenção. Era como se alguém estivesse me observando e, ao olhar em sua direção, esse alguém me desse uma piscadela de olho. Era apenas uma simples placa, com ilustrações de Dom Quixote e Sancho Pança e os dizeres: Espaço Bartolomeu Campos de Queirós. Nesse instante, milhares de lembranças invadiram meu coração.

Em 2009 uma amiga havia me passado o telefone de um escritor e disse que poderia ligar para ele pois me atenderia com muito carinho. Então liguei e conversamos preciosos minutos como se amigos fôssemos de longa data. A voz rouca e cansada, mas educadamente gentil confirmou nosso encontro. Aspirante a escritora iríamos, então, conversar sobre um “santo” que havia conhecido muito bem e poderia me contar coisas que só ele sabia a respeito.  

– Pode ir que estarei lá, na livraria. Estarei sentado numa mesa e é só me procurar. Poderemos conversar sobre o santo padre.

– Ok, respondi.

Mas, a vida. Tão caprichosa! E outros desencontros me impossibilitaram de comparecer a tão esperada conversa. Liguei para Bartolomeu e disse da dificuldade de cumprir o compromisso. Ele, mais uma vez, gentil e atencioso:

 – Não se preocupe moça, estarei lá todos os sábados pela manhã e naquele que for possível é só aparecer. Sem me dar conta de mais um insistente capricho que essa vida iria provocar, agradeci e me despedi.

De volta àquele ambiente da livraria chamei o dono e perguntei onde Bartolomeu se sentava sempre que chegava à livraria.

 – Bem aí, onde você está sentada, respondeu o livreiro.

Meu coração disparou, tão fora de compasso, que me faltou ar algumas vezes e como um “surdo” de escola de samba quase dava para ouvi-lo. E numa confusão de sentimentos, alegria, tristeza, excitação meu coração chorou. Chorou tanto, que senti uma dor, de insuportável se transformou em euforia. Precisava falar o que sentia, precisava contar o que havia ocorrido ali naquele lugar, ou melhor, o que não havia ocorrido e que poderia ter sido um dos últimos encontros do escritor.

Mas a escritora, enfim, chegou com seus livros, depois de um bom tempo. Disse a ela que não se preocupasse por ter se atrasado pois tinha sido até bom.

– Pois acabei me encontrando com Bartolomeu...

E sem entender aquela loucura, a escritora atônita com o que falava pensou que poderia estar em delírio.

 – Mas o Bartolomeu... disse ela.

 – Sim. Eu sei. Mas tive um encontro com ele há pouco. Veio me dizer que esteve aqui todo o tempo me esperando.

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Nos 80 anos do escritor Bartolomeu Campos de Queirós as homenagens da ALPM

 

 

Um comentário:

  1. Oi, Fátima!
    Estou aqui emocionada, com lágrimas no rosto, que seu texto provocou!
    Já vivi uma situação similar assim com um grande filósofo!
    Mas, as obras de cada um falam por si!

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