24 de março de 2019

Dinzé: A mineirice de uma vida!


Conceição Cruz
Cadeira n.º 4


Terço na Janela: o sol ardente escondia-se por detrás dos montes ressequidos, fazendo cair uma densa escuridão por aquelas paragens... O momento solene da Ave Maria era marcado pelo badalar dos sinos na Igreja: todos paravam a rezar com o terço em mãos... Na janela baixa, de velhas madeiras, com vistas para a rua, Dinzé, o Vovô, costumeiramente, rezava enquanto ficava ali, com o rádio à válvula ligado, espiando a boca gulosa da noite a engolir os últimos lampejos do dia.... A rádio, de uma programação a outra, num piscar de olhos, chegava ao momento sagrado da “Hora do Brasil”. Ele rezava, cumprimentava os transeuntes, ouvia o rádio, observava o céu, admirava o bando dos pássaros em revoada, o gorjeio... e continuava a rezar! Dentro de casa, a penumbra aumentava: dali a pouco, seria preciso acender as lamparinas de querosene e as candeias de azeite para vencer o breu da escuridão... De repente, uma música solene tocou e parou... um grande suspense no ar! O locutor disse que o preço do querosene iria subir! Dinzé passou mais uma conta do terço e esbravejou em voz alta, sorrindo:
            _ Diacho! Não estou lhe perguntando nada, seu filho de... de “uma boa mãe”!
            E prosseguiu, sorrindo, rezando e contando as contas do terço...

Ninguém morre nesta Terra! Tavares, após a primeira Grande Guerra, era um minúsculo povoado, onde podia se avistar, já da estrada, lá no alto do morro, a Igreja de N. S. da Conceição; saindo dela, pela porta principal, via-se a estrada de chegada, com as casas de conserva das rodovias do DER à direita; à esquerda, uma rua de terra branca que findava aos pés de uma grande serra de pedras com um pouco de mato verde. Atrás da Igreja, o pequenino cemitério... nem sempre, o suor de arar a terra, capinar, plantar era suficiente para sustentar a família. Por isto, Dinzé, funcionário público de Minas, também se entregava, diuturnamente, à labuta rural e tornou-se o coveiro local: talvez assim, fosse viável angariar uma renda extra. Numa época de grande estiagem, pouca coisa brotava! O sol escaldante era implacável! Dinzé rezava. Rezava...Tinha dias em que perdia por completo a paciência, porque tudo o que brotava, o sol queimava... E ele trabalhava, mas... O Governo era uns dos piores pagadores da história, pois impunha deveres... na hora de reconhecer direitos, como por exemplo, salário em dia, deixava o seu servidor morrer à míngua: atrasava o pagamento até quase por um ano! O bacana de tudo era que meu avô acreditava e, seu senso de responsabilidade social lhe fazia trabalhar o dia inteiro para o Estado, independentemente de ser boa ou não a contrapartida (crença transmitida para a sua descendência!). Mas, se o Governo não pagava, ele e a família precisavam sobreviver: por isso, nas horas vagas, dedicava-se também ao que era possível, à época, agricultura de subsistência. E trabalhava, trabalhava... O sol castigava e castigava... Dinzé - com seus olhos arredondados - tranquilo, bonachão e brincalhão, insistia! Aliás, não desistia! Ele acreditava! Um dia, já cansado, exclamou, enxugando o suor da face:
            _ Ah, “neim”! Salários atrasados! Esta terra dura... Nada de chuva ou de colheita, um monte de bocas para sustentar... E nem ao menos morre um filho de Deus neste lugar!
Realmente: ali não morria ninguém!

Medalhas e Engenhoca: Na vastidão dos quintais, havia a lavoura de subsistência: milho, café, arroz, cana, mandioca, hortaliças; criavam porcos, galinhas, cabras, cabritos etc. Tomar um banal cafezinho deste bem cheiroso, passado na hora, dependia de muita coisa: que o próprio degustador houvesse arado a terra, escolhido e plantado as sementes, recebido as bênçãos da chuva, feito a colheita, descascado, torrado e socado, no pilão, os grãos... ter separado os olhos da cana, plantado os brotos, realizado a colheita, moído a cana, fervido o caldo, feito a garapa... ter levantado cedo, ido ao pasto, cortado lenha e a deixado ao sol para secar, guardando-a depois; ter arado a terra, plantado e colhido o milho, separado e guardado as palhas... ter comprado um pote, andado algumas léguas e buscado água na fonte ou no riacho. Carregado peso! (Que cafezinho, amargo de se fazer!). Acender a fornalha, pedia uma habilidade, pois fósforo não havia: precisava “iscar” o “fuzil” com pedra de cristal para gerar uma “faisquita de nada”; depois, que esta tascazinha se propagasse sobre uma estopa dentro da “binga de macaco” (casca do fruto tipo jatobá): soprá-la delicada e insistente; acender uma palha ou um cigarro de palha para levar o fogo à fornalha... daí acendiam-se os gravetinhos... aí sim, nasciam as quentes brasas ... Detalhe: o coador de pano era fervido na hora, por causa das lagartixas que por lá passeavam... Os copos? Feitos de cabaça (isto é, plantava-se a espécie adequada, aguardava-a atingir a maturidade, colhia, secava, serrava e então) ...  Ou, na onda da reciclagem, canecas de lata: punham alças nas latas de salsicha, por exemplo! Requeria ter guardado os restos de gordura, ter coado e decantado água e cinza – preparo de uma espécie de soda - observado o céu (lua nova), ter feito sabão “diquada” para, na beira do riacho, com a bucha vegetal e areia, lavar os copos e a panela de fervura da água... Precisava ter colhido o fumo, moído, enrolado e, tranquilo, ter feito um cigarrinho de palha e pitar, sossegado, para espantar as muriçocas! E isto era feito após, “largar o serviço!” Exatamente, no “momento de folga”, Dinzé fazia o seu ritual para tomar um delicioso cafezinho! À tarde, a rotina: moer a cana, socar o café no pilão... Por crença, trazia o pescoço cheio de cordões e de medalhas bentas com inúmeros santos de sua devoção. De repente, a manivela da engenhoca puxou os cordões e as medalhas. Embaraçaram-se todos... E por mais que tentasse se soltar...  Desesperado, levou a mão ao pescoço, arrancou tudo e jogou fora, esbravejando:
_ Isto só pode ser mesmo coisa do “diacho”!

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - Dinzé levantava cedo, carregava a enxada, a foice, enfim, todas as suas ferramentas para trabalhar. Orgulhosamente, era funcionário público da turma de conservação da estrada de rodagem. (Passava até quase um ano sem receber um mês de pagamento!). Andava léguas para chegar ao local de trabalho: não tinha cavalo, não havia transporte público regular e suficiente; percorria tudo a pé, com sua “precata roda. ” (Ele usava os pneus velhos para fazer chinelo para toda a família, pois, naquela região, quase todo mundo andava descalço). A trajetória de Tavares a Pará de Minas era feita antes de o sol nascer, de segunda a sábado, todo dia... até onde era a fábrica-escola (hoje, Coopará): só retornava quando o sol ameaçava a desaparecer. A saga e o destino deste homem estavam traçados: o dia inteirinho... léguas longe de casa! Na sacola diária, o almoço, a garrafa de café preparados no fogão à lenha, de madrugada... e frutas da estação colhidas pasto afora, quando havia. Ao pôr do sol, marmita e garrafa vazias voltavam alegres, dependuradas no feixe de lenha que ele, religiosamente, providenciava para fazer o jantar (e seu almoço na madrugada seguinte). Na caminhada, muitas vezes, era acompanhado dos filhos: numa dessas idas e vindas, estava sua filha mais velha, “Bornata” - minha mãe, Maria Geralda da Cruz - que nos brinda com esses causos... Ela, andando pela estrada, outras vezes correndo na frente, apanhando lenhas, com seu jeito criança de ser. De repente, bem depois da curva, depara-se com um embrulho de jornal na beira do caminho. Joga a lenha no chão, a rodilha de velhos panos, apanha o pacote e volta em disparada, gritando pelo seu pai. Dinzé joga tudo no chão e corre sem saber o que lhe esperava depois da curva, ansioso por causa dos gritos da filha. Ele roga:
- “Vinde em nosso Socorro, oh, Mãe de Bondade!”
Vê que a filha está bem e isto é o suficiente para sossegar seu doce coração.
Entusiasmados, vão lançando fora cada página de velhos jornais e, no meio daquelas inúmeras folhas, uma imagem... Bornata emociona-se, benzendo-se toda. Minutos de oração... Observam a imagem: rosto terno, inconfundível: Santa do Perpétuo Socorro!
_ É linda, minha filha! Nossa Senhora é nossa maior riqueza! Ela veio nos encontrar! Fala ele, benzendo-se todo emocionado... E acrescenta sorrindo:
_ Melhor mesmo, se aí dentro, além da Santa, tivesse um dinheirinho, minha filha...

Liberdade - Domingo de manhã, depois da missa, o sol já começava a espantar o orvalho que caiu sobre a terra, antes, poeirenta. Dinzé, depois de ter rezado muito, chega em casa e vê um de seus filhos, deitado no chão, quase perto da soleira da porta, estático. Dinzé chama e ele não responde (pensamento absorto, olhos fixos no pássaro em improvisada gaiola). Dinzé segue o olhar, chama novamente... O menino continua inerte... Dinzé não encontrou alternativa: pegou a gaiola e ... soltou o animalzinho...
_ Filho, Deus fez os pássaros e as nossas almas livres!  Ame-os! E deixe-os voar!

Pintassilgos - Dinzé era um típico funcionário público da época: sem terras, sem salários, apenas tinha a força de seus braços e a oportunidade de ganhar o pão a cada manhã. Fazia sol ou fazia chuva, sadio ou doente, era preciso trabalhar todo dia, o dia todo! Com salários atrasados! Sem chuvas, apesar de sua insistência, em casa, com meios primitivos, a terra quase nada produzia. Por isto, no Domingo, fez uma “manguara”: numa vara, dependurou todas as suas galinhas, a marmita, a garrafa de café e partiu a pé para a cidade. Vendeu todas elas, exceto uma: no quintal, deixou apenas um casal carijó. Na volta, passou na venda, comprou sal, querosene para as lamparinas e azeite para as candeias. Como diziam os antigos: galinha na manguara não tem preço! O sol continuava quente e castigante ... Dinzé olhou para o céu azul feito mar: os pássaros cruzavam os ares em busca de alimentos, sem sucesso... (Pobres pássaros! Se pudesse ajudá-los...). A escassez afeta homem, animais e pássaros... Mas é difícil ver a luta cruel pela sobrevivência...  Já sei! Neste tempo ruim na roça, a única saída será o cativeiro urbano... E assim, construiu uma armadilha para pegar passarinhos. Dentro dela, um pássaro da mesma espécie, para chamar a atenção do que estava fora, alimentos e uma espécie de visgo, numa vareta. Eles pousavam ali e, num instante, os pés colavam-se na varinha visguenta. (Pacientemente, Dinzé pegava cada bichinho e, com um velho retalho e gordura, limpa-lhes os pés). Outras vezes, usava um alçapão com espelho ao fundo. O pássaro, ao ver a imagem refletida, pulava na armadilha para brigar; o alçapão desarmava e ficava preso. 
Vale lembrar: ninguém queria casais. Fêmeas não tinham valor algum... Os machos cantavam, elas não: acima de tudo, precisavam de alimentos e de ninhos para a postura dos ovos .... Dinzé vendeu os machos, voltou para casa com pouco dinheiro e a gaiola cheia de fêmeas... Rezou, como de costume: uma luz de esperança encheu seu coração. Um novo dia! (A labuta pelo alimento... Olha os pássaros! Pobres pássaros!). Na sua mente, outra ideia! Não estava disposto a ver as “pintassilgas” morrerem, sem ter, ao menos, tentado ajudá-las. Os machos estavam a salvo. E as fêmeas? Perpetuam a espécie... mas não cantam! Que lástima! Sem alimentos! Sem elas, não há expectativa nem promessa de futuro! Ao levar a cabo aquela nova ideia, resolveria momentaneamente a situação das “pintassilgas” que precisavam de alimentos para manterem-se vivas e desenvolverem o seu projeto de maternidade...  Por outro lado, ele, com certeza, não poderia mais voltar à Praça da Matriz para vender mais nadinha de nada! Que haja então futuro! Um novo dia! Rezou, pediu perdão a Deus e a todos a quem iria encontrar naquele dia; de plano, resolvera o problema. Preparou uma espécie de tinta natural e pintou a cabeça de cada fêmea, imitando os machos.  Foi à cidade, aonde os alimentos chegavam, a alto custo, numa época de grande carestia e racionamento... Vendeu todas as fêmeas, como animais jovens que, um dia, quem sabe, poderiam vir a aprender a cantar...  Diferentes da sorte de um homem (dependente do Governo ou do clima) a produzir seu próprio alimento, as “pintassilgas” teriam a chance de ter fartura de comida e, seus filhotes, em quentes ninhos, sem preocupação com o futuro! No coração, o sentimento de dever cumprido!

Saudades - A tão desejada chuva chegou para molhar a terra e realizar o tão esperado sonho de Dinzé de ver a terra molhada! A esposa e os filhos estavam tristes, os vizinhos, os animais... O sol chorou! A terra chorou! Todos choraram! Os prantos do sol e da terra transformaram-se em fina chuva... Neste e em muitos outros dias, o velho amigo rádio silenciou. Não houve o badalar dos sinos... Nenhum transeunte passeou pela rua. Rádio, sinos e transeuntes silenciaram. Neste dia, na hora da Ave Maria, um coveiro ganhou uma renda extra - talvez tenha sido a única por um bom tempo. A terra, por vezes, madrasta, outras, mãe, amiga, irmã afagou e acolheu um abençoado corpo... Os pássaros pediram perdão aos viventes e até as “pintassilgas” entoaram um cântico de louvor à Virgem Santíssima. Os lábios humanos de Dinzé, neste dia, nesta hora, não rezaram, nem balbuciaram prece alguma. A Santa do Perpétuo Socorro ouviu apenas o louvor da procissão sem fim de pintassilgos fêmeas! Surgiu um clarão no céu dentre as nuvens... os espíritos libertos dos pássaros vieram ensinar ao Espírito de Dinzé a arte de livremente voar... Juntos e livres eles se foram...
_ Dinzé! Descanse em Paz, Eu estou aqui, vim ao seu Socorro, meu bom mineiro! José Bernardino da Silva, é quem é a minha riqueza! Oh, meu dileto filho! Da outra vez, desci à Terra e fui ao seu encontro! Agora é a hora de a humanidade tocar a Divindade, você sobe aos céus e eu o acolho em meus braços, concedendo-lhe Paz... E, desta é a sua vez de estar aqui para ensinar-me a sonhar... A não perder as esperanças... Na humanidade!
Ditas estas palavras, Nossa Senhora abraçou-o, carinhosamente, sorrindo, envolvendo-o de forma definitiva, com seu Manto Azul de Proteção.

23 de março de 2019

Lançamento de novo livro do acadêmico José Roberto Pereira

Autor de quatro livros já publicados, o escritor da Academia de Letras de Pará de Minas José Roberto Pereira lança, no próximo dia 28 de março, a partir das 20 horas, a obra "Um ninho coberto de penas", texto infantojuvenil que aborda as relações homem x natureza e natureza x natureza. O lançamento ocorre pela Páginas Editora, de Belo Horizonte, e será no Museu Histórico de Pará de Minas (Muspam), em Pará de Minas. Para falar dessas complexas relações, José Roberto Pereira, que também é ator, com formação em Letras, narra a saga de dois filhotes de tucanos, que têm que passar por fortes provações em meio à natureza, ora acolhedora ora assustadora. O autor tem como ponto de partida o aprendizado que colheu na infância e início da juventude, período em que viveu no meio rural, trabalhando como lavrador. José Roberto é natural de Jaguara de Minas, distrito do município de Onça de Pitangui. Para Rosana de Mont’Alverne, escritora e editora de livro infantil e juvenil, que assina o texto de apresentação do livro, a história de Pereira é “uma metáfora da vida no alto dos morros onde ninhos de penas bem poderiam ser barracões de zinco, sem telhado e sem pintura. Ninhos como lares onde vivem famílias, ainda que na maioria falte o pai e às vezes até a mãe. Penas como sofrimento e aflição. Mas a vida insiste porque o amor existe, porque irmãos que cuidam um do outro - como os filhotes de tucano da história - crescem na adversidade, se fortalecem juntos e atravessam os portais essenciais aos altos voos”. As ilustrações do livro são assinadas pela artista angolana Beatriz Valdez, que consegue, com primor, imprimir a dramaticidade e a beleza trazidas pelo texto nas imagens que o acompanham. Beatriz também atuou em outro livro do autor, "A Joaninha e a Margarida" (2008). José Roberto ocupa a cadeira n.º 12 da Academia de Letras de Pará de Minas



 Lançamento: dia 28 de março de 2019, às 20 horas, no Museu Histórico de Pará de Minas (Muspam) – Rua Manoel Bastista, 51, Centro.

30 de janeiro de 2013

AINDA ONTEM...!


                                                                  AINDA ONTEM...!

 

AINDA ONTEM eu clamava por mais justiça. Hoje sei que também tenho que lutar mais por ela!

AINDA ONTEM eu caminhava em dúvidas. Hoje sei que elas se transformam em certezas quando caminho na direção correta!

AINDA ONTEM eu olhava para o infinito buscando algo. Hoje sei que o encontro deste algo são nossos objetivos que alcançamos!

AINDA ONTEM eu amava muito. Hoje sei que amo mais ainda!

AINDA ONTEM minhas palavras buscavam mais sentidos. Hoje elas me respondem que preciso de mais palavras!

AINDA ONTEM eu queria ser mais forte. Hoje sei que minhas fraquezas são necessárias para me fortificar!

AINDA ONTEM eu pensava mais no futuro. Hoje reconheço que ele depende dos nossos passos no presente!

AINDA ONTEM queria mais humildade em tudo que faço. Hoje acredito que preciso ser mais humilde para encontrá-la!

AINDA ONTEM eu só buscava vitórias. Hoje aprendi que são as derrotas que nos fazem crescer e vencer!

AINDA ONTEM meus olhos buscavam uma imagem da verdadeira beleza. Hoje sei que ela está em cada um de nós!

AINDA ONTEM queria me apaixonar mais por ti. Hoje acredito que esta paixão não pode ser medida!

AINDA ONTEM implorava ao meu coração que batesse só por ti. Hoje sei que ele é todo seu!

AINDA ONTEM o perfume do seu jardim era incomparável. Hoje sinto que nada a ele se compara!

AINDA ONTEM queria ser mais sensível aos sofrimentos do mundo. Hoje percebo que a minha sensibilidade depende também dos meus atos!

AINDA ONTEM eu queria paz para a humanidade. Hoje sei que ela depende da humildade de todos!

AINDA ONTEM eu olhava para o vazio. Hoje meus olhos são para a eternidade!

AINDA ONTEM buscava mais felicidade. Hoje tenho a certeza que sempre fui mais feliz!

AINDA ONTEM o que eu era? Hoje sei realmente o que sou!

AINDA ONTEM estava sempre a me perturbar. Hoje sei que é a injustiça e a violência que me perturbam!

AINDA ONTEM... AINDA ONTEM? Já vivi tudo é passado. Hoje... Hoje? Sei que o meu caminho é seguir em frente, e amar sempre!

QUE DEUS ABENÇOE A TODOS!

 

AILTON JOSÉ FERREIRA

Membro da Academia de Letras de Pará de Minas – Cadeira nº 07.

Policial civil aposentado, Bel. Direito, Pedagogo, Escritor e Educador.

ailtonferreira_assepam@yahoo.com.br

BLOG: cms.literaturaparademinas.webnode.com

Livros para reciclagem



            Quando eu era bem jovem, devia ter uns quatorze anos, assisti ao filme: “O Diário de Anne Frank”.  Curiosamente era essa a idade da protagonista. Naquela época, eu passava uns dias com os meus pais, na casa de uns parentes no Rio de Janeiro e não sabia nada sobre esse diário. Fiquei chocada com o triste fim daquelas pessoas que ficaram escondidas durante tanto tempo, cheias de esperança de que a guerra acabasse e pudessem enfim, saírem seguras dali. Aquele filme me marcou bastante por se tratar de uma história verdadeira e, por isso, sempre voltava às minhas lembranças.

            O tempo passou e, eis que um livro com este título, chegou às mãos de meu irmão e ele o leu. Gostaria de destacar a forma que esse livro chegou até ele. Enquanto aguardava pelo conserto de sua caminhonete, viu ao lado da oficina um depósito de sucata. Como estava sem ter o que fazer deu uma olhadinha nesse cômodo e, para sua surpresa, havia uma prateleira com várias pilhas de livros. Ele se aproximou e com espanto viu obras de autores famosos, bem encadernadas e em ótimo estado. Foi até ao mecânico e quis saber a razão daqueles livros estarem ali. Ele disse: “Tudo isso é para ser reciclado, mas temos o costume de separar os livros do restante por que se alguém se interessar, vendemos por oito reais o quilo”. Meu irmão não pensou duas vezes e já foi separando as preciosidades que ele havia descoberto.

            Destaco aqui uma coisa que me deixou triste. Ali no meio havia vários livros de escritores de Pará de Minas. Fiquei pensando, é tão difícil para uma pessoa publicar um livro. É um processo demorado, trabalhoso e, no final, descobrir o destino que alguns deles terão...

            Meu irmão não conseguia entender como as pessoas descartavam os livros daquela forma. Como tinham coragem de mandar para a destruição a preciosidade de um livro. Falei que achava que os donos eram pessoas que faleciam e a família se livrava das suas coisas daquele jeito. Pensando bem, era bem melhor aproveitá-los na reciclagem que queimá-los como acredito que muitos herdeiros fazem. Mas ele ainda continuava buscando respostas para tamanho despropósito e dizia: “Mas como esse falecido não conseguiu passar para os descendentes o gosto pela leitura?” Nessa hora fiquei sem resposta. Eu não consigo entender também. Será que essas pessoas não pensaram em doá-los para alguma biblioteca? Acredito que muitas aceitariam de bom grado.  

            Pois bem, meu irmão pegou o “O diário de Anne Frank” e me aconselhou a lê-lo. Falei que não queria, pois conhecia o filme, mas ele insistiu de uma maneira bem convincente. Disse que o lera e tinha certeza de que eu ia gostar muito, explicou que ficara impressionado com o talento literário de Anne, com a sua visão cheia de maturidade diante da vida, com a capacidade de percepção que ela tinha do íntimo do ser humano. 

            Segundo a crítica literária e ensaísta Francine Prose, “Anne era de fato talentosa, como se vê por sua habilidosa construção de diálogos e personagens, seu olho para os detalhes, seu domínio do ritmo da narrativa”.

            Levei o livro para casa e o li. Pude constatar tudo o que meu irmão disse. Mais uma vez ficou confirmado para mim a superioridade da palavra escrita. Em um filme não é possível mostrar toda preciosidade que um texto contém. Por isso costumamos nos decepcionar quando conhecemos uma obra e a vemos representada. Mas por outro lado, as imagens se fixam melhor nas nossas mentes. Acho que o melhor seria conhecer a obra, o filme e tirar as nossas conclusões.

Déa Miranda
Cadeira nº 11
Patrono: José Gastão Machado

16 de janeiro de 2013


                                                             O ESTAFETA.

Há dias, conversava com alguns companheiros de Academia e em dado momento fiz um comentário, mais precisamente uma referência, sobre a figura do Estafeta. Então me disseram que eu havia tirado esta palavra do fundo do baú da vovó, pois, palavra e profissão praticamente estão esquecidas do mundo atual; aí tive a ideia de escrever sobre estes desbravadores e corajosos seres humanos que não mediram esforços e expuseram a própria vida para levar a comunicação pelo mundo a fora durante milhares de anos e que agora a tecnologia o faz com uma velocidade às vezes ‘incalculável’.

Pois bem, o que seria então o Estafeta? Segundo os dicionários: entregador de telegramas, cartas e mensagens, ou seja, mensageiro, carteiro. Quantos estafetas percorreram quilômetros e quilômetros interligando as regiões para que as comunicações entre os povos tivessem êxitos, e, quantos deles, para não dizermos centenas ou até mesmo milhares, perderam suas vidas pela coragem de tentarem concretizar o seu trabalho. No início durante muito tempo fizeram o serviço a pé, com o tempo foram introduzidos os animais, principalmente o cavalo, até chegar aos meios de transportes sobre rodas: as carroças, as diligências como no velho oeste americano e depois os veículos, navios e aviões. Porém isto tudo não tira a glória com que os primeiros carteiros do mundo tivessem um papel importante na comunicação entre as sociedades humanas. Foram eles sim que com a sua coragem, sem medir os perigos que iriam enfrentar ou mesmo se iriam retornar para seus lares, que contribuíram para que o desenvolvimento da raça humana através do intercâmbio de informações fosse mais rápido.

Para não dizermos que algumas sociedades atuais nos lugares mais remotos do nosso mundo atual ainda devem utilizar o papel do estafeta, em nossa própria sociedade controlada hoje pela tecnologia, temos ainda a figura do estafeta, ou seja, o carteiro que caminha às vezes até quilômetros diariamente para entregar de casa em casa as correspondências, e que ainda não tem uma opção melhor. Que contraste! Numa sociedade em que vivemos na velocidade da tecnologia em que recebemos informações do outro lado do mundo em questão de segundos, precisamos do estafeta atual para receber nossas correspondências. Este é um sinal imprescindível de que o ser humano ainda é indispensável fisicamente. E obrigado aos meus companheiros acadêmicos Valmir José, José Roberto e Marcio Simeone que fizeram me lembrar de uma figura importante da História.

QUE DEUS ABENÇOE A TODOS!

Ailton José Ferreira

Policial civil aposentado, Bel. Direito, Pedagogo, Escritor e Educador.

Membro da Academia de Letras de Pará de Minas (Cadeira nº 07).

ailtonferreira_assepam@yahoo.com.br

8 de janeiro de 2013

A Morte em três atos

Joandre O. Melo
Cadeira nº 20
A Morte em três atos:

1º ato: A Morte, à surdina, caminha ao meu lado e não sei quando ela vai me beijar. Durante o caminho algumas vezes posso senti-la a murmurar suavemente, mas eu não sei quando ela virá.

2º ato: A Morte caminha ao meu lado e na próxima esquina beijar-me-á, não estarei pronto ao teu beijo, mas não posso recusá-lo. Certamente ela estará com sua mais bela roupa (cetim), então, beijar-me-á com tenebrosa lascívia . Sentirei o gosto da tua amargura, a dor lancinante da tua profunda melancolia. Não há outro caminho a não ser render-me àquele hálito frio, cadaveroso, pusilânime, pois, nunca foi nada senão o fim, a degeneração de tudo...

3º ato: Morte! Afavelmente entrego-me ao teu beijo, escuto e obedeço o teu chamado. Entrego-me a ti, à putrefação, ao ventre da terra para onde conduzir-me-ás; a alimentar teus servos fiéis: os vermes. No afã da coroação desta ignóbil existência entrego-me aos teus servos (os vermes da terra) para que se deliciem com este manjar (meu corpo), agora inerte consumida sua energia vital, não sofro mais; Todavia, que teus servos, Morte, ao devorar meu coração saibam que nunca existiu um pedaço de carne que sofreu tanto em uma só existência.


Talvez


Joandre O. Melo
Cadeira: nº 20

Talvez, quando eu me aposentar eu realmente me torne um homem ou, pelo menos me aproxime do que seja um homem; do que ele pode ser, fazer e sentir. Por enquanto, sou apenas um pedaço de carne que anda, come, bebe, veste, faz sexo, ama, descansa, pensa. Enfim, apenas um pedaço de carne que vive para o sistema e que se consome em nome dele.
Talvez, eu não passe de gado; guiado pelas veredas que me levam a lugar nenhum. Pelo caminho, há apenas um pouco de palha para que eu possa comer e um pouco de água para beber. Vejo outros como eu. porém gordos; movem-se freneticamente, comem grama fresca; muita, muita grama e vegetais que eu nem conheço e bebem águas claras que deságuam de enormes e refrescantes cascastas. Olho para trás e vejo outros como eu ou, talvez, até em piores condições; corpos chupados, andar trôpego, talvez mais do que o meu. Quando conseguem um pouco de palha, comem. Água! Só o que sobra do resfetalar-se do gado gordo.
E assim caminho; cada dia, é um dia a menos. Eu penso comigo: graças a Deus, um dia a menos....
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(*) Ilustração feita por Joandre Oliveira Melo, três de janeiro de 2009. A intenção era mostrar um burrinho puxando uma carroça transbordando cenouras fresquinhas e um fazendeiro a guiar o burrinho com uma destas suculentas cenouras. Porém, o burrinho jamais comerá a cenoura e nunca saberá o peso que está carregando nas costas. É uma caricatura da visão que tenho do Capitalismo.