quarta-feira, 4 de abril de 2012

CIÚME


                                                                                            - Terezinha Pereira- 


Nasceu com olhos perspicazes. Conheceu os diversos tons de verde das matas, os azuis da natureza, o transparente da água e do vidro, as cores das flores, das aves, das borboletas. Viu bichos de casa, da fazenda.  Brincou com brinquedos de formas várias. Conheceu o mar de algum lugar, rios, cachoeiras. Viu formas, rostos, sorrisos, caras amuadas, olhares de desdém.
Os doutores não souberam explicar - ou não quiseram- se razão alguma havia para ele se cegar tão jovem. Aos cinco anos de idade, foi quando a sombra lhe tomou o claro.  Sem mais nem menos. De repente, as formas foram se misturando, as cores se embaralhando às suas vistas. Em poucos dias, uma tela negra predominou em toda a porção de espaço que seus olhos podiam alcançar.
Cresceu sem nada mais ver com o olhar. Aprendeu a sentir com desvelo: o frio, o calor, o carinho, o afago, a dor. Provou do doce, do amargo, do azedo, do picante, do salgado. Tornou-se sabedor de cheiros de flores, comidas, perfumes, de gentes e de bichos. Intensamente, permitiu-se ternura, afeto, surpresa, espanto, admiração, alegria, tristeza, perplexidade, solidão, dor, mágoa, frustração, pessimismo, raiva, sensação de superioridade ou de inferioridade. Aprendeu a diferençar o timbre de sons. Suaves, agudos, graves, harmônicos  ou não.
Adolescente, entre todas as vozes que já ouvira, encontrou uma que lhe parecia mais intensa, mais suave, mais melodiosa. Ah, e o corpo! De todos os que já enlaçara, foi o que lhe pareceu mais delicado. De odor mais ameno e puro. Pelos olhos dos outros, soube que a moça era bela, linda. Rosto, olhos e coração. Conheceu o céu.
Tanto lhe disseram da moça com quem passou a dividir os melhores momentos de sua vida, que teve o desejo de poder contemplá-la. O imaginar não lhe bastava. Indagou, estudou, pesquisou- coisa que as modernidades do mundo de hoje permitem. Acabou sabendo de um doutor em lugar distante. Doutor que poderia lhe dar o gosto de alcançar com a vista a beleza de sua amada.
            Da moça recebeu todo apoio e tudo mais que lhe foi preciso para ir atrás do tal doutor. Afinal, ele queria de volta o sentido perdido na meninice. Queria tanto! Passados alguns dias, depois dos preparativos, o doutor conseguiu-lhe cumprir o prometido. E ele pôde de novo ver o mundo.
De súbito, assustou-se com seu reflexo no espelho. Não se lembrava mais. Não achou graça.  Ao olhar a moça, admirou-se com sua formosura. Num instante, ele deu de cara com ....... O ciúme.  E o que é o ciúme, minha gente? Sentimento doloroso. Exigência de amor, que inquieta.  Desejo de posse da pessoa amada. -Acaso, gente tem dono?- Ardor que faz sofrer e gemer de dor. Sentimento que atormenta. E mata.
A partir de então, viveu o inferno. 



4 comentários:

  1. Delicioso e sensível, Terezinha! Nunca pensei que o ciúme nos viesse pelos olhos, mas sempre soube que ele nos torna cegos! Beijos. Márcio Simeone

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    1. Márcio,
      Fiquei pensando. Deve ser porque o personagem não tivesse "gostado" de perder a cegueira física. O tal do ser humano é complicado. Ou complicada tudo.
      Obrigada pelo comentário.
      Beijo,
      TT

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  2. Muito bonito o seu texto, Terezinha. Tem poesia. Adoro ler o que você escreve. Então, que nem a inveja, o ciúme também vem dos olhos...
    Um abraço,
    Flávio Marcus

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    1. Obrigada, Flávio
      Pois é. O desejo. A insegurança. A comparação de si mesmo com o outro.... Sei lá.
      Beijo,
      TT

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