Nasceu com olhos perspicazes. Conheceu os diversos tons de verde das
matas, os azuis da natureza, o transparente da água e do vidro, as cores das
flores, das aves, das borboletas. Viu bichos de casa, da fazenda. Brincou com brinquedos de formas várias.
Conheceu o mar de algum lugar, rios, cachoeiras. Viu formas, rostos, sorrisos,
caras amuadas, olhares de desdém.
Os doutores não souberam explicar - ou não quiseram- se razão alguma
havia para ele se cegar tão jovem. Aos cinco anos de idade, foi quando a sombra
lhe tomou o claro. Sem mais nem menos. De
repente, as formas foram se misturando, as cores se embaralhando às suas
vistas. Em poucos dias, uma tela negra predominou em toda a porção de espaço
que seus olhos podiam alcançar.
Cresceu sem nada mais ver com o olhar. Aprendeu a sentir com desvelo: o
frio, o calor, o carinho, o afago, a dor. Provou do doce, do amargo, do azedo,
do picante, do salgado. Tornou-se sabedor de cheiros de flores, comidas,
perfumes, de gentes e de bichos. Intensamente, permitiu-se ternura, afeto,
surpresa, espanto, admiração, alegria, tristeza, perplexidade, solidão, dor,
mágoa, frustração, pessimismo, raiva, sensação de superioridade ou de
inferioridade. Aprendeu a diferençar o timbre de sons. Suaves, agudos, graves,
harmônicos ou não.
Adolescente, entre todas as vozes que já ouvira, encontrou uma que lhe
parecia mais intensa, mais suave, mais melodiosa. Ah, e o corpo! De todos os
que já enlaçara, foi o que lhe pareceu mais delicado. De odor mais ameno e
puro. Pelos olhos dos outros, soube que a moça era bela, linda. Rosto, olhos e
coração. Conheceu o céu.
Tanto lhe disseram da moça com quem passou a dividir os melhores momentos
de sua vida, que teve o desejo de poder contemplá-la. O imaginar não lhe
bastava. Indagou, estudou, pesquisou- coisa que as modernidades do mundo de
hoje permitem. Acabou sabendo de um doutor em lugar distante. Doutor que
poderia lhe dar o gosto de alcançar com a vista a beleza de sua amada.
Da moça recebeu todo apoio e tudo
mais que lhe foi preciso para ir atrás do tal doutor. Afinal, ele queria de
volta o sentido perdido na meninice. Queria tanto! Passados alguns dias, depois
dos preparativos, o doutor conseguiu-lhe cumprir o prometido. E ele pôde de
novo ver o mundo.
De súbito, assustou-se com seu reflexo no espelho. Não se lembrava mais.
Não achou graça. Ao olhar a moça, admirou-se
com sua formosura. Num instante, ele deu de cara com ....... O ciúme. E o que é o ciúme, minha gente? Sentimento
doloroso. Exigência de amor, que inquieta. Desejo de posse da pessoa amada. -Acaso, gente
tem dono?- Ardor que faz sofrer e gemer de dor. Sentimento que atormenta. E
mata.
A partir de então, viveu o inferno.
Delicioso e sensível, Terezinha! Nunca pensei que o ciúme nos viesse pelos olhos, mas sempre soube que ele nos torna cegos! Beijos. Márcio Simeone
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirFiquei pensando. Deve ser porque o personagem não tivesse "gostado" de perder a cegueira física. O tal do ser humano é complicado. Ou complicada tudo.
Obrigada pelo comentário.
Beijo,
TT
Muito bonito o seu texto, Terezinha. Tem poesia. Adoro ler o que você escreve. Então, que nem a inveja, o ciúme também vem dos olhos...
ResponderExcluirUm abraço,
Flávio Marcus
Obrigada, Flávio
ExcluirPois é. O desejo. A insegurança. A comparação de si mesmo com o outro.... Sei lá.
Beijo,
TT