Na biblioteca escura, de
corredores sujos e estreitos, livros nunca lidos, de autores desconhecidos, lançados
e autografados em coquetéis com canapés, castanhas e vinho para os amigos – que
só por amizade os compraram, doando-os depois para ganhar espaço nas gavetas e
armários de suas casas apertadas –, enchem com suas lombadas de cores opacas as
velhas estantes da cidade cinza, onde a ignorância e o orgulho reinam quase
absolutos. Na biblioteca escura a poeira encobre vidas esquecidas, almas
adormecidas que esperam o despertar, o toque de uma mão que as liberte do sono,
o folhear que nas páginas impressas em tinta e sangue abra os portais de seus
mundos distantes e luminosos. O folhear libertador, o lento passar dos olhos
sobre as letras e frases, mundos que no escuro pulsam de alegria e dor e que
por magia renascem com a leitura e aos poucos recobram a força da vida que os
criou. Terra, cimento e mármore não calam a voz do escritor que deixou sua alma
ali na biblioteca escura, sem ser lida, coberta de poeira, esperando, sua voz à
espera do olhar que a liberte, e ele vem, o olhar, um dia ele vem, e o passado
renasce, recria-se naquele que olha e sente, e a vida se renova com a voz do
que passou e do que é eterno, e as almas se encontram no leitor que apreende e
recebe o texto vida que nunca morre. Mesmo esquecido e não lido, enfiado na
estante empoeirada da biblioteca escura do reino da estupidez, o livro do autor
nunca lido está vivo, à espera, a memória não se apaga, a indignação, a dor, a
alegria, a alma lavada sofrida vivida não se apagam jamais do texto – estão lá,
esquecidas, vivas, esperando...
Flávio Marcus da Silva - Cadeira nº 1
Flávio Marcus da Silva - Cadeira nº 1
Flávio,
ResponderExcluirGostei!
Não há mesmo um livro desalmado.
Abraço,
TT