Carmélia Cândida
Cadeira n.º 2
Estou preocupada com a mamãe. Ela anda muito nervosa, fica irritada por qualquer coisa. Também estou com medo. Ontem, quando estava na mesa comigo e com meu irmão na hora do jantar, ela disse que está precisando de férias de nós – de mim, do meu irmão e do meu pai – que vai dar um jeito de ficar longe da gente pelo menos por dois meses. Dois meses?...
Tremo toda só de pensar nisso. Não vou conseguir ficar dois meses longe dela. Nem o meu irmão. Não quero que ela se vá. Tenho que pensar no que posso fazer para ela mudar de ideia.
Eu sei que as coisas para ela não são fáceis. Todos os dias, ela se levanta antes de nós e vai para o trabalho. Meu pai é que nos acorda, penteia nossos cabelos, nos dá café, deixa meu irmão na creche e me leva para a casa da tia Vânia, pois ele vai para o trabalho um pouco mais tarde do que minha
mãe. É a tia Vânia que cuida de mim durante o dia, de segunda a sexta-feira. Ela me leva e me busca na escola, quando também pega meu irmão na creche, e fica com a gente até nosso pai nos buscar, já à noitinha, para nos levar para casa.
Quando minha mãe volta do trabalho, vai preparar
o
jantar,
enquanto
limpa
alguma
coisa
na
casa. Eu
e
meu irmão já chegamos de banho tomado e geralmente ficamos assistindo tevê até o jantar ficar pronto. Meu pai tem
ficado no quartinho dos fundos trabalhando em seus pallets, ele faz peças
decorativas para vender e aumentar a renda, mas diz que o lucro é muito pequeno
ainda, até porque ele tem um tempo mínimo para se dedicar a isso. Mas, se ajuda
pelo menos um pouco, já está bom, é o que ele fala. O dever de casa, eu faço com a tia Vânia. Depois que a gente janta, já está quase na hora de dormir, mas a minha mãe ainda continua na cozinha, deixando
tudo
limpo
para
o
dia
seguinte.
Eu
me
ofereço
para
ajudar a lavar a louça, mas ela diz que eu demoro muito e que é melhor ela mesmo lavar. Então eu vou para o meu quarto. Eu queria muito que ela se deitasse um pouco comigo na minha cama, que me contasse uma história antes de dormir ou que apenas ficasse abraçada comigo, mas eu sei que o tempo dela é pouco e que ela fica muito cansada. Diz que, quando termina as atividades, já está “dormindo em pé”.
Eu acho que é por causa do tanto de trabalho que ela tem que quer tirar férias de nós. Mas ela diz, também, que eu e meu irmão somos “uma canseira sem fim”.
Só que eu acho que ela fica tão pouco com a gente! Até tentei falar isso para ela, ontem, quando ela disse que precisa ficar longe de nós. Mas ela abaixou a cabeça e pareceu tão brava e triste que eu achei melhor me calar.
Puxa! A gente só passa o sábado e o domingo
inteiros
com
ela!
Durante
a
semana, ela nem tem tempo de ficar com a gente. E em muitos sábados, ainda, ela nos manda para a casa da vovó durante o dia inteiro, pois tem que lavar roupa, dar faxina na casa, e diz que a gente a atrapalha.
E,
no
domingo,
quando poderia ficar tranquila com a gente depois do almoço, ainda tem que passar roupa...
Fico com pena dela e queria poder ajudar. Eu tento. Faço tudo que ela pede. Arrumo minha cama todos os dias, não deixo meus brinquedos espalhados nem toalha molhada em cima da cama. Guardo minhas roupas e meus sapatos nos lugares certos, procurando sempre ser organizada. Molho as plantas, como ela pede. Estudo e estudo e sempre tiro “A” na escola. Mas acho que isso é pouco. E o meu irmão é
levado e bagunceiro demais. Está sempre tirando a mamãe do sério. Ela fica muito brava com ele, xinga, mas não adianta muito (e acaba “sobrando” pra mim, pois ela diz que eu, que sou mais velha, tenho que ajudar a cuidar ele). Também ele é pequeno ainda. A tia Vânia diz que
ele vai melhorar à medida que for crescendo.
Meu pai diz que ajuda a mamãe; ela diz que não. A verdade
é
que
eles
estão
sempre
brigando
por
causa
das
tarefas
da
casa
e
por
outras
coisas
também.
Eu
não
sei
qual
deles
tem
razão.
É
uma
briga
constante,
eles
gritam.
Depois
eles
ficam
de
bem.
Graças
a
Deus,
eles
se
gostam
(eu
acho). Mesmo assim é chato demais. Coisa ruim é ver pai e mãe brigando.
Ela e o papai deveriam pagar uma empregada para cuidar da casa, pois assim minha mãe ficaria menos estressada. Pelo
menos uma vez por semana. A tia Vânia já disse isso um monte de vezes; mas, para isso, eles precisariam ganhar mais dinheiro ou não ter
que pagar as prestações da casa para pagar todos os meses. Mesmo assim, fico pensando se não valeria a pena fazer um sacrifício. Eu e meu irmão poderíamos ficar sem nossos iogurtes e doces na compra do mês para economizar. Se minha mãe fosse ficar mais feliz e com mais tempo para a gente...
Às vezes eu fico até pensando que a mamãe não gosta de nós, e é triste demais pensar nisso... Talvez não queria de verdade ter filhos, ou até queria, mas (como meu pai
mesmo disse) não sabia que davam tanto trabalho. Mas, quando penso isso, logo eu lembro dos momentos em que ela está tranquila e me abraça e me beija com carinho, e aí eu fico feliz, e o pensamento passa. Então eu vejo
que não posso ficar pensando isso da minha mãe.
Sim. Minha mãe tem momentos de
carinho com a gente. Nesses momentos, ela fica ainda mais bonita do que é, e eu
tenho vontade que tudo pare, como quando brinco de “estátua” com minhas
colegas.
Talvez a mamãe nem tenha falado sério de verdade e eu esteja me preocupando demais. Mas ela já tinha dito isso outras vezes, e é por isso que estou tão preocupada. E ela estava muito séria ontem. A tia Vânia fala que eu sou muito sensível e que sou uma criança que se preocupa demais com coisas com que não deveria me preocupar. Mas, se as coisas para se preocupar estão aí, o que eu posso fazer? Não é porque sou criança que eu não penso, que eu não sinto. Criança não é tão diferente do adulto.
Fico me perguntando se a gente deveria dar um jeito de dar essas férias para minha mãe, mesmo sendo sofrido demais para mim e para meu irmão. Mas o meu medo é que ela goste demais da vida sem a gente e não volte. A mãe da Jenny, uma menina com quem estudei no 2º período, foi embora e nunca mais voltou. Lembro de vê-la se esgoelando na sala de aula, e de ela dizer que era por isso. Mas a minha mãe não é como a mãe da Jenny, eu tenho certeza disso. Mesmo assim, melhor não arriscar.
Acho que vou conversar com a tia Vânia e pedir que ela me ajude a pensar em algo para fazer minha mãe mudar de ideia. A tia Vânia sempre tem boas ideias e, mesmo quando não tem, acha coisas boas para me dizer. Que madrinha boa
mamãe foi me dar! Vou dizer que estou com o coração
apertado,
e
ela
vai
me
pegar
no
colo
e
me
encher
de
carinho.
E
ela
sabe
que
eu
adoro ela.
Não vai pensar que eu não quero ficar com ela enquanto mamãe estiver de férias.
Vamos achar um jeito. Vou me esforçar para “olhar” o meu irmão melhor. Vou conversar com ele e vou implorar
para
ele
ficar
bonzinho.
Vou
explicar
que,
se
ele
não
ajudar,
nossa mãe pode ir embora. Vou fazer bilhetinhos carinhosos e colocar na bolsa da mamãe. Meu irmão pode ajudar nos desenhos. Talvez a tia Vânia converse
com
o
papai
e
ele
também
faça
alguma
coisa.
Eu não posso é ficar sem minha mãe. Eu sei que não sou forte. Eu não resistiria. Não agora. Talvez quando eu estiver mais velha, com uns doze anos, estarei mais preparada. Mas, até lá, se Deus quiser, minha mãe já vai ter esquecido isso.
“Deus é maior e não nos desampara”, foi isso que a professora
do
catecismo
disse.
E
é
nisso
que
eu preciso acreditar. Jesus, por favor, não deixe que a mamãe tire férias de
nós.
Que lindo, Carmélia! Me vi criança também, pensando coisas como estas. Bjs, Regina Maria
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