quarta-feira, 11 de abril de 2012

Crônica dos 37 (ou narcisista)


                                                   José Roberto Pereira
“37 anos de felicidade e raríssimas lágrimas”

Fiz, dia dezessete, exatos trinta e sete anos de idade. Para muitos, pode não ser uma data expressiva a ponto de merecer uma crônica (talvez não mereça mesmo, pois as datas de aniversário mais comemoradas são as de quinze, trinta, quarenta e cinquenta anos). Eu, porém, me senti tentado a escrever sobre os trinta e sete porque foi a chegada dessa idade que mais me causou  reflexões sobre o antes e o após, como se fosse uma linha tênue imaginária, uma fase intermediária, o meio de uma estrada com a outra  metade ainda a ser  percorrida.

Trinta e sete. Se somarmos os números três e sete, teremos dez. E, se somarmos o um e o zero, obviamente, teremos um. Um é sempre um ponto de partida para se chegar a algum lugar ou para realizar algo, como um sonho, um projeto em curto, médio ou longo prazo, uma conquista ou um desejo. Um pode ser o ponto de partida para uma trégua ou um início, para um ponto final ou um recomeço. Um será sempre o primeiro, do ponto de vista de quem quer se deslocar ou se decidir sobre algo que almeja ou de que necessita.
Eu, nos meus trinta e sete anos, primeiramente olho meu corpo e vejo de que maneira ele chegou a mais de três décadas. Numa análise física feita apenas pela retina dos olhos, ainda vivos e atentos, percebo o quanto fui sensato por não ter submetido meu corpo às drogas e ao álcool, por sempre ter lhe dado repouso quando se mostrou cansado, por ter aceitado sem resistência suas imperfeições, por ter sido rigoroso com higiene, por ter me alimentado com qualidade mesmo quando os alimentos eram escassos, por  ter me aquecido quando me arrepiava de frio, por ter tirado a camisa e mostrado o peito nu para abrandar o calor, por ter cuidado zelosamente de feridas, por não ter sido contido em mimos e carinhos, por ter – sempre que possível – usado um cremezinho, um protetor solar e algumas gotinhas suaves de perfume.
Já do ponto de vista interno, este corpitcho de um metro e sessenta e sete centímetros de altura me mandou raríssimos sinais de enfermidade, talvez pelo zelo que tenho com ele e pelo tempo que me dedico a seus caprichos. Até em relação aos cantinhos mais sigilosos que ficam bem lá dentro, no fundinho do coração sem fim, não me distraí, me entreguei a quase todos os amores que me foram oferecidos, dos mais suaves aos mais geniosos (confesso, com uma leve reflexão, que sempre devotaram mais amores a mim do que eu devotei aos outros, às vezes penso que poderia ter amado mais). Também para a alma livre e leve que habita esse fundinho do coração sem fim nunca faltaram orações.
 Minhas conquistas até os trinta e sete não poderiam ser enumeradas aqui. Foram muitas. Tantas que seria desastroso citar algumas, assim como seria desastroso também dizer que já estou realizado. Sinto-me em pleno vendaval, que vai ligeiro de uma ponta a outra da margem da estrada vendo, levando, absorvendo, agregando, descobrindo e construindo momentos novos. Sou ainda curioso com o mundo e apaixonado pela vida e por viver. Tento, como o vendaval, deixar registrada minha passagem, modificando, na medida do possível, o que está à minha volta (com a devida atenção de não destruir, e sim de reconstruir).
Com a soma dos trinta e sete, se chega ao número um, seguindo o raciocínio apresentado no início do texto. O que pensavam meus pais de mim, quando eu, com um ano de idade, era apenas uma promessa de um homem com um futuro incerto? Com um ano de idade, eu ainda me alimentava no seio da minha mãe. Eu dependia de todos que me cercavam para sobreviver às doenças da fase infantil. Eu precisava de carinhos para me tornar mais humano, de orientações para conseguir viver numa sociedade, de proteção contra as adversidades do tempo e da vida, de castigos e afagos para entender erros e acertos, de alegrias e tristezas para entender sentimentos incompreensíveis, de orações e instruções para entender o bem e o mal, do impulso da coragem e do recuo diante do medo. Com um ano, muito era plantado em mim, até o livre-arbítrio. Hoje, dia dezessete, com exatos trinta e sete, eu retorno ao um, numa fase imaginária no meio de uma estrada comprida. E, se começo a caminhar da metade para o final, tenho então outra oportunidade de plantar e replantar, de jogar ao longo desta estrada muitas sementes para que, à medida que eu vá caminhando, elas estejam crescidas, com frutos para serem colhidos.
Que eu caminhe por mais trinta e sete e, se me cuidar bem, posso até caminhar por mais alguns anos... Entre tantas sementes que quero semear para ir colhendo após os trinta e sete, certamente  estarão as de muitas flores raras e belíssimas, porque a vida não pode ser vivida tão displicentemente a ponto de não  exigir nada e nem pode ser tão séria a ponto de não nos permitir sorrir  ou nos emocionar ao ver ou receber flores. 

2 comentários:

  1. Eu também tô chegando lá, Zé Roberto. Em maio faço 37. Idade bonita. Nossa... Quanta coisa aconteceu... Tantas experiências, tanto aprendizado... Muito bom o seu texto! Me levou a fazer um balanço da minha vida. Valeu!
    Flávio

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  2. Zé. somando seus 37 com meus... dá 100!
    Vivamos nós...
    TT

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